A Terceira Guerra Árabe-Israelense

GEOM UFU
11 min readDec 5, 2021

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“Qualquer vida perdida na guerra é a vida de um ser humano, independentemente de ser árabe ou israelense. A esposa que se torna viúva é um ser humano, impedida de viver em uma família feliz, árabe ou israelense. Crianças inocentes, privadas de cuidados parentais e de simpatia, são todas nossas crianças, quer vivam em solo árabe ou israelense.”

(tradução nossa)

Discurso do ex-Presidente egípcio Anwar al-Sadat, em 1977, ao Parlamento Israelense (Disponível em: https://www.knesset.gov.il/description/eng/doc/speech_sadat_1977_eng.htm).

Os construtores do Primeiro Acordo de Paz árabe-israelense: Menachem Begin (esquerda) e Anwar al-Sadat (direita).

Se o resultado da Primeira Guerra Árabe-Israelense não havia sido satisfatório para os Estados árabes, o da Guerra dos Seis Dias foi menos ainda. Israel havia anexado componentes territoriais importantes de todos os seus vizinhos rivais, adquirindo uma fundamental moeda de troca para quaisquer que fossem as possíveis reivindicações árabes. Expandia-se agora, criando assentamentos ilegais nas áreas ocupadas, aumentando a dependência de infraestrutura dessas localidades com a do país judeu. Tinha dentro de seu contingente populacional milhares de refugiados palestinos, presos dentro dos limites da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Se existia algum cenário de pesadelo para os países árabes, ele agora se mostrava bem real diante dos seus olhos: Israel era, de longe, a nação mais poderosa do Oriente Médio e contava com apoio e amizade cada vez maior dos Estados Unidos, em oposição ao apoio soviético aos árabes.

Em rosa, território anexado por Israel após a Guerra dos Seis Dias.

Sem sombra de dúvidas, o maior perdedor da Guerra dos Seis Dias foi o presidente egípcio Coronel Gamal Abdel Nasser. Do sonho de construir um império pan-árabe socialista, bancado pela União Soviética, restou a Nasser apenas uma reputação manchada: se outrora fora exemplo para líderes do Terceiro Mundo ao redor do globo, agora era visto como alguém que foi humilhado de forma incorrigível frente ao seu maior rival, sendo subjugado em meros seis dias. Entretanto, talvez pelos imperativos que sua posição enquanto líder nacionalista de um país subdesenvolvido cliente da URSS impunha, o Coronel se recusou a aceitar a perda da Península do Sinai e da Faixa de Gaza. Empenhou-se em uma guerra de atrito que duraria por quase 2 anos, entre 1968 e 1970, contra Israel nas áreas fronteiriças, sem vencedor. Após complicações de saúde, faleceu e foi substituído por Anwar al-Sadat, seu antigo companheiro no Movimento dos Oficiais Livres, célebre por sua afirmação durante a Crise Internacional de Suez em 1956 de que existiam apenas duas superpotências no mundo: os EUA e a URSS. O novo presidente egípcio se tornaria a figura mais importante do Oriente Médio durante o resto da década de 70 até 1981, quando faleceu.

“Eu não nego o direito do Estado de Israel de ser reconhecido por todos os países da região, quando toda a situação estiver normalizada. Um acordo de paz deve prover o estabelecimento de um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e Israel deve se retirar dos territórios que ocupou em 1967.”

(tradução nossa)

Anwar al-Sadat, ex-presidente egípcio (disponível em: https://www.knesset.gov.il/description/eng/doc/Speech_sadat_1977_eng.htm)

O novo presidente egípcio, Anwar al-Sadat.

Do lado vencedor, a esmagadora humilhação imposta aos vizinhos árabes mostrou a Israel a posição que ocupava dentro da região. Uma crescente sensação de segurança tomou conta do país, com uma vitória militar tão rápida, território ainda maior e tendo maior trunfo que os demais em qualquer situação de negociação que se pudesse imaginar. A “Teoria da Dissuasão Ativa” resume bem o pensamento israelita à época: um país com uma força militar claramente maior que a de seus vizinhos somados inibiria qualquer ataque que se pensasse realizar. Os israelenses ainda acreditavam que, como grande parte das nações árabes dependiam do apoio soviético e este não deveria vir devido à proximidade de laços entre Tel-Aviv e Washington, um ataque poderia ser descartado. Era exatamente esse o cenário em 1971 e 1972: a retórica árabe se resumiu, no período, apenas a palavras. Entretanto, como a história do Oriente Médio mostra, nenhum dos três lados envolvidos na Questão Palestina (Israel/Estados Árabes/Palestina) costuma se dar por vencido e aceitar o status quo. Enquanto crescia o sentimento de invencibilidade israelita, crescia também o desejo árabe de um ataque surpresa.

Sadat planejava uma guerra “limitada”, isto é, cujo fim não necessitava ser a destruição completa do outro lado, mas sim, forçar uma negociação. Dessa forma, em 6 de Outubro de 1973, no dia de uma das datas mais importantes para a religião judaica, o feriado do Yom Kippur (Dia do Perdão), tropas egípcias e sírias, com o objetivo de reaver seus territórios, engajaram-se em uma ofensiva, pegando o povo de Israel, tão crente na sua segurança, de surpresa. A principal estratégia era que, caso a reconquista das terras perdidas falhassem, os árabes forçariam uma negociação por conta de outra crise gerada por outra guerra Árabe-Israelense. Começava assim a Terceira Guerra Árabe-Israelense, ou Guerra do Yom Kippur.

A “Dama de Ferro” original: Golda Meir, Primeira Ministra à época, é saudada pelas Forças Armadas Israelitas.

“Não existe algo como ‘palestinos’. Quando houve aqui uma população palestina independente com um Estado palestino? Era tido como parte sul da Síria antes da Primeira Guerra Mundial e depois virou Palestina, incluindo a Jordânia. Não é como se existisse uma população palestina na Palestina compreendendo a si mesmo enquanto povo e nós chegamos e jogamos eles para fora, pegando seu país. Eles não existiam.”

(tradução nossa)

Ex-Primeira Ministra de Israel Golda Meir (disponível em: https://www.aljazeera.com/features/2019/3/18/the-mixed-legacy-of-golda-meir-israels-first-female-pm).

Diferentemente dos dois embates anteriores, os árabes saíram em vantagem no início do conflito, vencendo os exércitos israelitas em algumas disputas. A vantagem inicial dos agressores pode ser explicada por má coordenação entre as lideranças governamentais e falta de tempo para pensar em uma solução prática. Entretanto, após um período de “derrotas” por parte de Israel, suas Forças Armadas foram não só capazes de equilibrar as relações de força, como conseguiram virar a guerra a seu favor, resultando, no fim das contas, em mais uma vitória israelense. Embora tenha vencido pela terceira vez, a Guerra do Yom Kippur se mostrou um desafio muito maior do que se poderia esperar, principalmente pela crença israelita em sua auto-capacidade de defesa: não só lembrou aos vencedores que sua invencibilidade não era incontestável, como causou uma quantidade considerável de baixas. O fato de que os Estados Unidos ajudaram ativamente Israel com suporte aéreo, para impedir qualquer chance de vitória de Estados clientes de Moscou, deixava claro que, apesar da vitória, o conflito foi uma “derrota psicológica” para os judeus: os estadunidenses se sentiram na obrigação de ajudar quando perceberam que a capacidade de auto-defesa de seu maior aliado na região não era tão clara.

“Nós sempre temos dito que em nossas guerras contra os árabes, temos uma arma secreta — não temos alternativa. Os egípcios podem correr para o Egito, os sírios para a Síria. O único lugar para o qual poderíamos correr era o mar e, antes de fazermos isso, teríamos que lutar também.”

(tradução nossa)

Ex-Primeira Ministra Golda Meir, sobre o sucesso nas Três Guerras Árabes-Israelenses (disponível na obra de James Gelvin referenciada abaixo)

Em 1948, tanto EUA como URSS ajudaram a criar, nas Organizações Unidas, o Estado de Israel. Em 1956, tanto EUA como URSS foram contra a intervenção de França, Inglaterra e Israel no Egito nasserista. Em 1967, a URSS cortou todas as relações com Israel, enquanto os EUA se tornaram o único país a manter laços com os dois lados, embora os árabes os vissem com desconfiança. Agora, em 1973, estava claro o “relacionamento especial” entre Washington e Tel-Aviv, com a participação direta do líder ocidental no conflito: se os norte-americanos não eram mais parceiros políticos confiáveis para a questão, outra estratégia para forçar negociações teria que ser tomada. A instância perfeita para isso, segundo os líderes árabes, era a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), formada majoritariamente por países hostis ao Estado de Israel: pela primeira vez, o petróleo era usado como arma geopolítica.

Gráfico mostrando que o preço do barril de petróleo cru quadruplicou após o embargo árabe.

Nesse aspecto, a OPEP, liderada pela Arábia Saudita, subiu um embargo aos países do Bloco Ocidental da Guerra Fria: diminuindo a quantidade produzida por cada país-membro, o preço do barril de petróleo subiu consideravelmente. Entretanto, a estratégia árabe se revelou posteriormente um certo tiro no pé, visto que Israel não estava pronto para devolver os territórios, seus Aliados não queriam forçar a devolução e os Estados Unidos compreenderam que, para proteger seu suprimento de petróleo, deveriam adotar posturas mais firmes em relação aos líderes árabes. No fim das contas, a Primeira Crise do Petróleo, como ficou historicamente conhecida, gerou, sim, uma crise global de abastecimento de energia e obrigou países a pensar alternativas, mas falhou em sua proposta principal que era a devolução dos territórios conquistados pelos israelenses na Guerra dos Seis Dias.

Dentro do próprio Estado de Israel, as consequências da Guerra do Yom Kippur foram consideráveis. A política de assentamentos, iniciada em 1967, começou a aumentar cada vez mais, atraindo grupos extremamente religiosos, cuja visão das Guerras Árabe-Israelenses era puramente teológica, recusando qualquer direito de existência de um Estado palestino e pregando a criação de um Estado judeu englobando toda a Palestina e a Jordânia. Foi nesse período que surgiu o partido político que dominou a cena política israelense no século XXI, o LIKUD, de orientação de direita e extrema-direita em alguns segmentos, formado por cidadãos com uma visão mais “linha dura” da política israelense. O LIKUD segue uma ideologia abertamente conservadora e nacionalista, priorizando uma posição dura e pesada no que tange às questões de segurança de Israel contra os palestinos. Para eles, é um imperativo da política israelense a ocupação com assentamentos de todos os chamados Territórios Ocupados (nomenclatura oficial das regiões tomadas após a Guerra dos Seis Dias), criando uma base eleitoral forte na região e dificultando qualquer processo de paz.

Benjamin Netanyahu, atual líder do LIKUD e até recentemente de Israel.

Talvez, a maior consequência da Guerra do Yom Kippur tenha vindo 5 anos depois, pelas mãos dos Estados Unidos. Como reflexo da Conferência de Cartum, de ser a única superpotência em contato com os dois lados e da instabilidade causada pelo Choque de 1973, os estadunidenses buscaram atrair Israel e seus vizinhos para um processo de paz, com mediação deles. A ideia era que, assim que os israelenses assinassem o primeiro tratado de paz com algum rival, nas bases da Resolução 242, todos os outros iriam fazer o mesmo, iniciando uma reação em cadeia. Em 17 de Setembro de 1978, essa visão deu seu primeiro passo quando foram assinados, por intermédio do presidente estadunidense Jimmy Carter, os famosos Acordos de Camp David, que renderiam o Prêmio Nobel da Paz para Anwar al-Sadat, presidente egípcio, e Menachem Begin, primeiro-ministro israelita. Dessa forma, acabava o Estado de Guerra que persistia por 30 anos entre Israel e seu o maior rival: o Egito finalmente entrava em termos de paz com seu nêmesis, tendo como contraparte a devolução da Península do Sinai, sendo o primeiro país árabe a normalizar suas relações com os israelenses.

“Hoje eu digo a você, e declaro ao mundo todo, que nós aceitamos viver com vocês em paz permanente baseada em justiça. Nós não queremos os cercar ou nos cercar de destrutivos mísseis prontos para atirar, nem por cartuchos de rancor e ódio.”

(tradução nossa)

Ex-Presidente egípcio Anwar al-Sadat em discurso para o Parlamento de Israel, 1977 (disponível em: https://www.knesset.gov.il/description/eng/doc/Speech_sadat_1977_eng.htm).

Da esquerda para a direita: Menachem Begin, Jimmy Carter e Anwar al-Sadat, principais figuras do acordo de Camp David.

A assinatura dos Acordos de Camp David, entretanto, ficou muito longe de produzir os efeitos que qualquer lado pudesse esperar. O processo de paz, o qual discutiu questões de suma importância para o povo palestino, como a posse da Faixa Gaza, não teve participação da Organização para Liberação Palestina (OLP), eleita pelas Nações Unidas “única representante legítima do povo palestino”. Nem foi também capaz de gerar a onda de negociações, tratados e paz que se esperava: o Egito foi banido da Liga Árabe e perdeu espaço de voz em qualquer assunto no Oriente Médio. A pior das consequências ocorreu em 1981: Anwar al-Sadat foi assassinado por membros de uma irmandade islâmica, a Jihad Islâmica Egípcia, acusado de ter traído a causa palestina em favor dos EUA e de Israel. Cabe o destaque de que poucos líderes árabes compareceram a seu funeral, tendo maior presença de figuras ocidentais e israelenses.

“A América perdeu um grande amigo, o mundo perdeu um grande chefe de Estado e a humanidade perdeu um campeão da paz.”

(tradução nossa)

Ronald Reagan, ex presidente estadunidense (disponível em: https://www.middleeastmonitor.com/20151006-memo-profile-anwar-sadat-25-december-1918-6-october-1981/)

Finalmente, acabava a última Guerra Árabe-Israelense. Seu saldo foi de quase 150 mil baixas somadas, um problema humanitário ainda não resolvido, uma cidade sagrada para 3 religiões gigantes do mundo com status indefinido, apenas dois acordos de paz assinados e sua principal questão (existência da Palestina) ainda debatida, com muitas outras variáveis que surgiriam a partir da década de 80. Embora pareça distante, as Guerras Árabe-Israelenses têm conexões com o Brasil: foi um brasileiro quem presidiu a sessão da Resolução 181, em 1948; havia militares brasileiros estacionados na fronteira do Egito de 1956 até 1967; em 1973, o Choque do Petróleo também teve impacto direto na industrialização brasileira, que até então vivia o “Milagre Econômico”.

FONTE DAS IMAGENS (ordem de aparição):

Os construtores do Primeiro Acordo de Paz árabe-israelense: Menachem Begin (esquerda) e Anwar al-Sadat (direita): https://www.haaretz.com/israel-news/rare-intimate-photos-of-begin-and-sadat-signing-peace-agreement-1.7047081

Em rosa, território anexado por Israel após a Guerra dos Seis Dias: https://www.palestineportal.org/wp-content/uploads/2017/01/PASSIA_AreasisraelOccupiedAfterJune1967.gif

O novo presidente egípcio, Anwar al-Sadat: bloomberg.com/opinion/articles/2017–11–17/needed-for-middle-east-peace-another-anwar-sadat

A “Dama de Ferro” original: Golda Meir, Primeira Ministra à época, é saudada pelas Forças Armadas Israelitas: https://jmoreliving.com/2018/06/07/golda-meir-biographer-to-speak-at-amit-baltimore-event/

Gráfico mostrando que o preço do barril de petróleo cru quadruplicou após o embargo árabe: https://americanconsequences.com/the-third-oil-shock-is-coming-2/

Benjamin Netanyahu, atual líder do LIKUD e até recentemente de Israel: https://egyptindependent.com/likud-party-calls-de-facto-annexation-israeli-settlements/

Da esquerda para a direita: Menachem Begin, Jimmy Carter e Anwar al-Sadat, principais figuras do acordo de Camp David: https://catalog.archives.gov/id/181133

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

BAXTER, Kylie; AKBARZADEH, Sharam. Middle East Politics and International Relations: Crisis Zone. Nova Iorque: Routledge, 2018.

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GELVIN, James. The Modern Middle East. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2011.

______. The Israel-Palestine Conflict: One Hundred Years of War. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.

KEYLOR, William R. The Twentieth-Century World and Beyond: An International History since 1900. 6. ed. Oxford: Oxford University Press, 2011,

HALLIDAY, Fred. The Middle East in International Relations: Power, Politics and Ideology. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.

ROGAN, Eugene L. The Emergence of the Middle East into the Modern State System. FAWCETT, Louise (Ed.). International Relations of the Middle East. 4. ed. Oxford: Oxford University Press, 2016.

SMITH, Charles. The Arab-Israeli Conflict. FAWCETT, Louise (Ed.). International Relations of the Middle East. 4. ed. Oxford: Oxford University Press, 2016.

TESSLER, Mark. The Israeli-Palestinian Conflict. LUST, Ellen (Ed.). The Middle East. 14. ed. SAGE Publishing, 2017.

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Written by GEOM UFU

Somos um Grupo de Estudos em Oriente Médio, idealizado por alunas do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).