GEOM Explica: O Genocído Armênio

GEOM UFU
8 min readMay 24, 2022
@geom.ufu

Texto por: João Pedro Bettin e João Pedro Rezende

Para que seja possível um bom entendimento acerca do tópico em foco, o genocídio armênio, faz-se necessária a explicação do contexto prévio ao genocídio. Deve-se então focar seu olhar, primeiramente, aos acontecimentos que se iniciam no ano de 1894, em uma nação Armênia de maioria cristã de fé católica, que se encontrava subordinada ao Império Otomano, o qual era regido por um sistema muçulmano estrito.

Com o final da guerra russo-turca de 1878, o tratado de Berlim garantiria aos povos armênios certos direitos dentro do território de autoridade otomana, que possuía um tratamento duro em direção aos nacionais armênios.(NALBADIAN, 1963) Durante o ano de 1894, a população armênia passa a exigir a reivindicação desses direitos ao governo otomano, entre eles, a da liberdade de expressão da fé católica dentro do território imperial, direito esse que era repudiado entre a maioria muçulmana, advinda do império otomano.(NALBADIAN, 1963)

Em resposta às demandas crescentes e incessantes interferências vindas de potências europeias, o então sultão Abdul Hamid II ordena uma série de reprimendas que ocasionará no que conhecemos hoje como os massacres hamidianos de 1894–1896 (AKÇAM, 2006). É importante perceber que esses atos por parte do império otomano serão justificados com os protestos e rebeliões organizados, principalmente, por participantes dos partidos nacionalistas pró-Armênia. A título de informação, é estimado que os massacres hamidianos tenham causado entre 80.000 a 400.000 fatalidades para os povos armênios. (AKÇAM, 2006)

Apenas com isso, seria possível inferir que as relações entre Armênia e Império Otomano seriam, no mínimo, delicadas, no entanto, tais relações se tornariam ainda mais complexas a partir do ano de 1908. Com a revolução dos Jovens Turcos em julho, evento em que o Comitê para a União e o Progresso forçaram o então sultão Abdul Hamid II a retomar à constituição de 1876 e reabrir as portas do parlamento otomano, resultando na abertura de vários partidos dentro do país. (QUATAERT, 1979) Como forma de contragolpe à dissolução do absolutismo hamidiano, em 31 de março de 1909, forças lideradas por conservadores leais ao governo de Abdul Hamid II adentram Istanbul, na tentativa de retomar o poder ao sultão deposto. É importante recordar que o sultão entendia muitos dos infortúnios do império otomano como “perseguições intermináveis e hostilidades do mundo cristão” (AKÇAM, 2006). Por um período breve, o sultão consegue reaver seu poder absoluto, e, com a apelação de reestabelecer a Sharia, a perseguição étnica-religiosa contra a população armênia ocorreu no vilarejo de Adana, causando entre 15.000 e 20.000 causalidades, de maioria armênia (AKÇAM, 2006). Por fim, os Jovens Turcos retomam o poder e, apesar da população armênia entender inicialmente que eles receberam uma benção de seu Deus, a realidade por trás dos ideais do partido Turco exibia os preceitos de nacionalismo da Turquia e os armênios não se encaixavam nesse ideal, o que levaria a futuros embates.

Com o início da 1ª Guerra Mundial em 1914, o império Otomano anuncia seu apoio ao exército alemão. Ainda no mesmo mês, representantes do Comitê de União e Progresso demandam à Federação Revolucionária da Armênia que, em eventual caso de conflito contra a Rússia, os armênios de nacionalidade russa interviessem em favor do lado otomano (SUNY, 2015). Apesar da demanda otomana, os armênios decidiram que deveriam lutar de acordo com suas nacionalidades, e assim aconteceu, com o ataque surpresa otomano em um porto russo no mar negro, ainda em 1914. Por parte do Império Otomano, suspeitas começaram a ser debatidas, uma vez que alguns armênios otomanos recrutados nesse ataque desertaram e se aliaram aos seus nacionais do lado Russo do embate. (SUNY, 2015)

Como resultado dessas suspeitas, acontecem recrutamentos em período de guerra totalmente arbitrários, direcionado principalmente a gregos e armênios. Pelo menos 10% dos armênios otomanos foram mobilizados, deixando suas comunidades desprovidas de homens em idade de combate e, portanto, em grande parte incapazes de organizar a resistência armada aos eventos que aconteceriam em um futuro próximo. (SUNY, 2015)

Entre 1915 e 1923, ano que marcou o fim do Império Otomano, aproximadamente 1,5 milhão de armênios na península da anatólia, região que atualmente compõe a maior parte da Turquia, foram mortos, além das centenas de milhares que foram deslocados da região que historicamente chamaram de lar por milhares anos, fazendo com que sua cultura e presença na região virtualmente desaparecessem (ADALIAN, 1999).

Durante o século XIX os armênios foram um dos grupos mais vocais em favor de uma constituição otomana, para que direitos implementados e garantidos para sua população, reconhecendo-os como cidadãos plenos do Império (nos moldes das constituições ocidentais) assim como a maioria étnica do turcos na região (COHAN, 2005). Conforme as décadas se passaram, a pressão pelo fim de leis discriminatórias aumentou por parte dos armênios, principalmente por parte de grupos de intelectuais em Istambul (COHAN, 2005).

Em contraponto, nessa mesma época o Império enfrentava seu período de maior decadência até então, tendo perdido territórios para diversas outras potências, no Levante a Grã-Bretanha tomou algumas de suas províncias e ao Noroeste a Rússia fez o mesmo, incorporando também parte da população armênia, dividindo-os entre “armênios russos” e “armênios otomanos” (COHAN, 2005). Soma-se a isso os diversos países que ganharam sua independência em relação aos otomanos perante sua decadência, entre eles a Sérvia (1804), Grécia (1832), Romênia (1878) e Bulgária (1908), o que, na prática eliminou o poder do Império no continente europeu (COHAN, 2005), o Império estava fraco e as revoltas da minoria étnica mais numerosa em seu território o assombrava, o que só fez com que a repressão política contra os armênios e seus líderes aumentasse ainda mais (ADALIAN, 1999).

Em resposta ao desmoronamento do Império, seus grupos étnicos minoritários juntamente com uma parcela considerável da população turca se organizou em uma coalizão política de tendência liberal para destronar o sultão Abdul-Hamid em 1908, o grupo ficou conhecido como os “Jovens Turcos”, heterogeneidade de pensamentos políticos dentro da coalizão, no entanto. Isso fez com que conflitos internos surgissem, buscando o controle do que restava do Império, e através de um golpe, um grupo formado majoritariamente por jovens militares ultranacionalistas, o Comitê de União e Progresso (CUP). O CUP advogava pela criação de um Estado turco, e governando através de um triunvirato composto pelos Ministros da Guerra, do Interior e da Marinha, propagou a ideia de “turquificação” da península da anatólia, promovendo incursões militares ao leste na fronteira com o Império Russo a fim de “resgatar” os povos turcos sobre seu domínio (ADALIAN, 1999).

Os armênios no início, pensaram que sua situação política melhoraria com a nova constituição turca que considerava todos os seus cidadãos como iguais, porém foi a partir dela que o genocídio iniciado em 1915 foi justificado, a ideia de uma nação turca e impedir qualquer indivíduo ou grupo que pudessem enfraquecê-la também foi oficializada nesta constituição (ADALIAN, 1999). A entrada na Primeira-Guerra forneceu a justificativa que os otomanos necessitavam para intensificar seu apoio direto e indireto ao massacre dos armênios e de sua cultura, a partir de abril de 1915, a população armênia na Anatólia foi ordenada a abandonar seus lares, com acusações de estarem cooperando com o Império Russo, de fato alguns armênios abandonaram o Império Otomano para servir na infantaria russa, mas estavam longe de ser a maioria (ADALIAN, 1999). As deportações foram mascaradas como um projeto de realocação daquela população, que teve que caminhar até o deserto sírio, e durante o percurso, os armênios, já desprovidos de qualquer tipo de assistência por parte do governo, começam a ser atacados por grupos étnicos rivais e pelas próprias forças armadas do Império (ADALIAN, 1999).

Os líderes comunitários armênios já haviam sido mortos meses antes durante uma grande convocação geral por parte do Império, e uma parte considerável dos homens havia sida convocada para lutar na guerra, portanto, foram mulheres, crianças e idosos que embarcaram nessa marcha da morte, que poderia ser letal para vários deles devido apenas às condições inóspitas do território (COHAN, 2005). Apesar disso, os ataques por parte dos otomanos eram constantes, as forças que haviam sido enviadas para supervisionar as deportações frequentemente praticavam as mais variadas formas de violência contra ela, incluindo o estupro generalizado da maioria das mulheres que as compunham, a CUP em certo ponto libertou presidiários turcos e curdos com a condição de que fossem atacar as caravanas no deserto, muitas crianças foram sequestradas por famílias turcas e criadas sem conhecimento total de sua origem étnica e cultura (COHAN, 2005) Algumas famílias, turcas e de outros países na região, buscaram auxiliar os armênios e os protegeram em suas casas e os auxiliaram buscar uma nova vida digna em outros territórios, no entanto, aqueles que chegaram ao fim da “marcha de realocação” se encontraram vivendo em campos de concentração por vários anos, muitos até a sua morte. Já em 1918, os armênios otomanos, só se encontravam em duas situações, mortos ou fugidos de sua terra de origem no que ficou conhecido como a “Diáspora Armênia” (COHAN, 2005).

Uma civilização com aproximadamente 3000 anos teve sua cultura exterminada, os armênios russos, apesar de compartilharem a etnia, já não se assemelhavam aos seus irmãos otomanos o suficiente para compartilharem de todas as expressões culturais, portanto, quando grande parte dos armênios otomanos é exterminada ou obrigada a esconder sua cultura para sobreviver, a cultura que havia sobrevivido com eles por milênios também desaparece (ADALIAN, 1999). Ao final da Guerra, diversos países, grande parte de maioria cristã, denunciaram o genocídio, em especial os Estados Unidos, que entre 1918 e 1923 acolheram grande parte da Diáspora, vale notar o papel do então embaixador estadunidense no Império Otomano, Henry Morgenthau, que criou uma rede de auxilio em seu país para receber e acolher, principalmente crianças vítimas do genocídio que conseguiram fugir da perseguição, Morgenthau, no entanto, se retira do cargo em 1923, demonstrando forte indignação contra seu próprio país com reconhecimento da recém criada República da Turquia, e com isso, diversos países, bucando colocar um fim as disputas não resolvidas da guerra, deixaram de denunciar, ao menos da maneira enfática como faziam antes, o genocídio armênio (BERLATSKY, 2015).

O termo “Genocídio” só seria cunhado em 1944 pelo jurista Raphal Lemkin, que em seus estudos sobre tais crimes, havia sido fortemente influenciado pela persguição nazista na europa central e pelo própro extermínio de armênios no território otomano, e apesar de vários estudiosos do tema, e dezenas de países reconherem o fato como genocídio (COHAN, 2005), o atual governo turco, também de tendência ultra-nacionalista de Recep Tayyip Erdogan, assim como fez seus antecessores, nega o genocídio, afirmando que as ações tomadas podem ser justificadas pelo contexto de guerra e medo de ataques internos e espionagem por parte dos armênios. (BERLATSKY, 2015). Em 2004 uma lei chegou a ser promulgada pela Turquia, tornando uma ofensa criminal, que pode ser punida com até 10 anos de prisão a discussão em locais públicos em torno do Genocídio Armênio (COHAN, 2005).

Aqueles que sobreviveram já faleceram, devido a grande escala de tempo desde o ocorrido, mas seus descendentes ainda residem em aproximadamente 20 países, incluindo o Brasil, principalmente no estado de São Paulo, enquanto todo ano no dia 24 de abril, se reúnem para demandar reconhecimento do Genocídio e pedir a responsabilização e reparação que lhes cabe por parte do governo turco.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADALIAN, Rouben Paul. Encyclopedia of Genocide.ABC-CLIO, 1999.

AKÇAM, Taner. A Shameful Act: The Armenian Genocide and the Question of Turkish Responsibility. Nova Iorque: Metropolitan Books, 2006. pp. 41–70.

BERLATSKY, Noah. The Armenian Genocide.Greenhaven Publishing LLC. 2015.

COHAN, Sara. A Brief History of the Armenian Genocide. Social Education,2005. pp. 333–337

NALBADIAN, Louise. The Armenian revolutionary movement; the development of Armenian political parties through the nineteenth century. Berkeley, University of California Press: 1963. pp. 80–130.

QUATAERT, Donald. The 1908 Young Turk Revolution: Old and New Approaches. Middle East Studies Association Bulletin, 1979. pp. 22–29.

SUNY, Ronald Grigor. “They Can Live in the Desert but Nowhere Else”: A History of the Armenian Genocide. Princeton University Press. 2015. pp. 214–227.

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