Giro Cultural: Literatura Árabe Clássica

GEOM UFU
5 min readFeb 14, 2022

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Autora: Vitória Assunção de Pádua

BREVE INTRODUÇÃO À LITERATURA CLÁSSICA ÁRABE

Literatura árabe é definida como o conjunto de obras escritas originalmente na língua árabe; sua tradição remonta a cerca de 16 séculos atrás no início da Península Árabe. A rápida difusão da fé islâmica espalhou a herança literária para além do seu local de origem, atingindo outras culturas — Bizantina, Persa, Indiana, Andaluza — afetando e sendo afetada por cada uma delas. O presente texto não pretende oferecer uma análise extensiva sobre a temática, que é de grande complexidade, mas sim introduzir brevemente o tema e despertar interesse nos leitores para uma pesquisa mais aprofundada (BRITANNICA, 2022).

O termo “literatura” não é fácil de ser precisamente definido, mesmo na contemporaneidade. Em um sentido abrangente, implica um corpo de textos que pretendem transcender a simples função de instruir ou informar, mas também concebidos com o intuito de entreter, agradar ou provocar admiração. Um conceito importante é o termo “adab”, que significa “literatura” e “boas maneiras” em árabe moderno, mas que também assinalava “erudição” e “conhecimento da língua árabe” no período pré-moderno. Outro conceito relevante é “balāghah”, eloquência, o que também indica um aspecto literário. A maior parte da poesia árabe era produzida para uma ocasião especial, para um determinado evento ou destinada para uma pessoa (GELDER, 2013).

O idioma árabe é uma língua semítica (assim como o hebraico e o aramaico), sendo considerada por historiadores linguistas o membro da família linguística que mais preservou aspectos do postulado proto-semitíco. É a língua oficial de inúmeros países na Ásia e na África: Marrocos, Argélia, Tunísia, Egito, Jordânia, Líbano, Síria, Palestina, Árabia Saudita, Emirados Árabes, entre outros que compõem o “mundo árabe”. Existem diversos dialetos coloquiais que variam entre si de país para país, no entanto, no processo de alfabetização formal e durante o ensino universitário, é ensinado a forma padrão de escrita árabe compartilhada pelos outros países da região, o que fortalece o sentimento identitário de unidade. Seu modelo ideal é fornecido pelo Alcorão, que é reconhecido como a suprema e inimitável obra prima em árabe.(ALLEN, 2000).

Em relação a periodização, é comum realizar a divisão entre um marco importante da história islâmica, que é entre os períodos Islâmico e pré- Islâmico, o último sendo denominado Jahiliyyah -idade da ignorância-, época anterior ao surgimento do profeta Maomé e do islã. Teoricamente, a nomeação Islâmica pode ser aplicada para todo o intervalo temporal de 622 até os dias atuais, no entanto, é utilizado para indicar a produção literária que ocorreu durante a vida do profeta e dos subsequentes quatro califas. A partir desse momento, é habitual que se intitule o período literário de acordo com a dinastia em particular que manteve influência na época (ALLEN, 2000).

Se literatura é definida apenas como a palavra escrita, então não se pode considerar que havia essa categoria na Arábia antes do advento do Islã. Além de ser um texto de inspiração divina, o Alcorão teve um aspecto central no desenvolvimento literário árabe, tanto como um parâmetro linguístico para a posteridade, mas também como um fator de motivação para o registro escrito da tradição poética do período Pré — Islâmico. Nesse período, entre os séculos V e VI d.C. os habitantes da Arábia compuseram um corpo literário, principalmente em verso. Eram criados com o propósito de serem recitados, guardados na memória do público e transmitidos oralmente de geração em geração (IRWIN, 2006)

A poesia pré- islâmica geralmente celebrava os valores da vida tribal, nômade e da criação de camelos. Os poetas celebravam os feitos e as genealogias tribais, além de consagrar os valores de guerreiros do deserto: coragem, resistência e lealdade. A métrica e a rima eram auxílios mnemônicos para a preservação da história de um clã. Além disso, a poesia era comumente referida como sihr halal (magia legítima), já que se acreditava que ela podia realizar “feitiços”, como fortalecer um aliado ou enfraquecer um inimigo. A forma mais “extravagante” de se transmitir poesia seria em uma leitura em voz alta pelo poeta nas feiras anuais de comércio inter-tribal (IRWIN, 2006)

Além disso, uma breve curiosidade é de que embora fosse difícil que as mulheres se destacassem na produção literária nesse período, existem compilados organizados por autores medievais dedicados a poesias escritas por mulheres. Uma das poetisas árabes mais famosas foi a Tumāḍir bint ʿAmr, também chamada de al-Khansā, que compôs inúmeras elegias (poemas melancólicos de lamento, geralmente um elogio dedicado a um ente querido falecido) para seus dois irmãos que morreram em uma batalha tribal. Acredita-se que ela se converteu ao islã durante a vida e morreu no ano de 644.d.C (GELDER, 2013).

Dado essa breve contextualização, vale mencionar a origem de uma das obras orientais mais conhecidas no Ocidente: As Mil e uma Noites. Em suma, é uma coleção de histórias baseadas em diversas culturas e fontes (indianas, persas, gregas). É a organização de vários contos da tradição oral muçulmana, que começaram a ser compilados por iniciativa do califa Harun Al-Rashid (766–809), nos quais há menções ao seu próprio califado. A parte central do livro só foi escrita na segunda metade do século XIII, após a invasão de Bagdá pelos mongóis. Além disso, ainda no século XVIII foram incorporadas outras histórias. A mais antiga versão árabe sobrevivente é um manuscrito em três volumes que hoje está armazenado na Biblioteca Nacional de Paris; acredita-se que foi ordenado na Síria no final do século XV. É esse documento que foi a base da tradução francesa realizada por Antoine Galland (1646–1715), no qual ele também adicionou novos contos à seleção. Dentre essas adições, incluem-se as histórias de “Ali Babá” e “Aladim”, que se integraram à cultura popular ocidental (CANTON, 2016); (IRWIN, 2008).

Em relação a sua trama, a história de abertura é aquela que emoldura todas os outros contos posteriores. Nela, o monarca Shahriyar mata sua primeira esposa após descobrir sua traição conjugal. A partir desse evento trágico, ele passa a se casar com uma mulher virgem toda noite, apenas para matá-la no dia seguinte. Para quebrar esse ciclo de violência, Sherazade — filha do vizir do rei — se oferece voluntariamente para Shahriyar, contudo, com intuito de evitar sua execução, começa a contar uma história, que deixa inacabada ao amanhecer. Shahriyar então decide poupar sua vida para escutar o restante, e esse processo continua noite após noite, até que o rei se arrepende de sua promessa de matá-la. Os contos narrados mesclam histórias fantásticas que envolvem criaturas lendárias com episódios que retratam figuras históricas. A popularidade da obra no ocidente influenciou o movimento de compilação de contos folclóricos iniciado no século XIX pelos Irmãos Grimm, além de ter contribuído para a construção do imaginário (embora nem sempre acurado) sobre o Oriente Médio (CANTON, 2016); (IRWIN, 2008).

Referências Bibliográficas:

ALLEN, Roger. An Introduction to Arabic Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

ARABIC literature. ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA, 2022. Disponível em: <https://www.britannica.com/art/Arabic-literature>. Acesso em 7/02/2022.

CANTON, James (org). O Livro da Literatura. São Paulo: Globo, 2016.

GELDER, G. J. H. (org). Classical Arabic Literature. A Library of Arabic Literature Anthology. Nova York: New York University Press, 2013.

IRWIN, Robert.(org). The Penguin Anthology of Classical Arabic Literature. Londres: Penguin Group, 2006.

THE Arabian Nights. Tales of 1001 Nights. Volume 1. Tradução: Malcolm C. Lyons; Ursula Lyons. Introdução: Robert Irwin. Londres: Penguin Group, 2008.

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Somos um Grupo de Estudos em Oriente Médio, idealizado por alunas do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

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