Raio-X: A invasão do Iraque pelos EUA

GEOM UFU
8 min readMay 17, 2023

--

Texto por: Jéssica Felix

A região onde hoje se encontra o Iraque é populada a milhares de anos, e foi território de diversos povos importantes para a antiguidade como os sumérios, babilônios e assírios. Na antiguidade as terras que hoje compõem o país faziam parte da Mesopotâmia, por ser um terreno muito fértil a região também recebeu o nome de “Crescente Fértil”. Ao longo da história essa porção também compôs importantes impérios da antiguidade como o persa, grego e romano. Já no século VIII passou a integrar como parte do mundo islâmico, a capital do Iraque, Bagdá, também foi capital do Califado Abássida (KENNEDY; CHAMBERS; BLAKE, 2023).

Na imagem: mapa da Mesopotâmia

O Iraque como se conhece atualmente só foi passar a existir depois da Primeira Guerra Mundial, visto que ao fim do conflito os territórios pertencentes ao Império Otomano foram tomados, divididos e colonizados pelos países vencedores (Inglaterra e França). Dessa forma as antigas regiões de Baghdad, Basra, e Mosul passaram a compor um só país, dominado pelo Império Britânico, essa nova configuração não respeitava a configuração real do território, que era composta por diversos povos (BONFIM, 2014)

O país se tornou independente em 1932, no entanto a influência imperial britânica permanece, houve uma tentativa de imposição do modo de vida e ideologia ocidental, o que encontrou grande resistência da população (BONFIM, 2014). Foi estabelecida a monarquia hachemita, tendo como líder o Rei Faisal II, seu governo foi marcado por turbulências e pela insatisfação popular com a situação do país e sobretudo com a interferência estrangeira, o ápice das manifestações ocorreu em 1958 (BONFIM, 2014).

Na imagem: Rei Faisall II

Em 1957 é formada a Frente Nacional que reunia os opositores de Nuri al-Said, primeiro ministro, e opositores do regime em si. Em 14 de julho de 58 esse grupo organiza um golpe e invade o Palácio Rihab e mata todos os membros da monarquia, o primeiro-ministro é linchado na rua ao ser reconhecido enquanto tentava fugir para buscar exílio. Abdul Karim Kassem, o general da coalizão, assumiu como líder da nova República que surgia (BONFIM, 2023).

No entanto, o novo regime não dura por muito tempo, o partido Baath orquestra um golpe em 1963 e derruba o governo. Depois de uma série de turbulências internas ao partido e ao governo surge a figura de Saddam Hussein primeiramente como vice-presidente em 1968, depois de ocupar diversos cargos importantes dentro do partido Baath ele consegue chegar à presidência em 1979 (BBC, 2006).

Seu governo foi marcado por diveros crimes envolvendo assassinato e violação de direitos humanos, e inclusive a invasão do país vizinho, o Irã, em 1980, o conflito durou 8 anos e terminou com um cessar-fogo que representou um recuo do Iraque. Uma nova invasão é realizada em 1990, ao Kuwait, depois de uma acusação de o país ter baixado os preços do petróleo, este conflito, que ficou conhecido como Guerra do Golfo envolveu uma coalizão internacional liderada pelos EUA (BBC, 2006).

Mesmo depois de cessada a guerra os bombardeios por parte dos EUA não se findaram, o país alegava que era necessária uma inspeção sobre a presença de armas de destruição em massa no Iraque. Com o advento do 11 de setembro e a Guerra ao Terror a pressão por uma ação mais direta se torna mais intensa, apesar de o chefe da equipe de inspetores da ONU, Hans Blix, concluir que não haviam provas de um novo programa de armas, os governos estadunidense e britânico insistiram na necessidade de intervir. Isso culminou na invasão do Iraque em março de 2003 pelos Estados Unidos, sem o aval da ONU (BBC, 2006).

Na imagem: Ataque aéreo em Bagdá

O Conselho de Segurança não autoriza a invasão do Iraque em 2003 para averiguar a presença de armas químicas, tendo em vista que a comissão oficial da ONU que havia sido realizada declarou não existir tais armas em território iraquiano. Ignorando a proibição das Nações Unidas os EUA lideram uma coalizão e realizam um ataque na cidade de Bagdá por via aérea, alegando ser uma ação rápida com o objetivo de tirar Saddam Hussein do poder e confiscar as armas de destruição em massa que o líder supostamente mantinha.

A empreitada enfrentou forte oposição internacional, incluindo de países que apoiaram a missão de 1991, isso por não encontrarem uma justificativa plausível para a ação e também por não acreditar que as provas apresentadas pelo governo estadunidense eram confiáveis. A narrativa estadunidense se direcionava ao propósito de averiguar a existência de armas de destruição em massa em solo iraquiano, e também sob a justificativa de que após o 11 de setembro alguns países do Oriente Médio atuavam como um safehaven para grupos terroristas (AMARAL, 2017).

Após a Resolução 1483 do CSNU, que consolidava o domínio da Autoridade Provisória do Iraque, é concedida uma legitimidade à presença da coalizão em território iraquiano, sendo assim é importante ressaltar que esta autorização vem somente depois da ação de invasão, e colocou como responsabilidade da Autoridade a reconstrução do país. Apesar de ser uma ação que se deu de forma multilateral, todo o aparato que se direcionava para a reconstrução, estabilização e ajuda humanitária era proveniente dos EUA (AMARAL, 2017).

O processo de tentar construir uma legitimidade para a ocupação do iraque se orienta tanto por uma espera no campo das ideias, que se relaciona com as razões utilizadas para justificar a invasão, além de uma narrativa humanitária bem como do projeto de combate ao terrorismo. Já a segunda esfera se relaciona com o aparato legal, que se desenvolve tanto no âmbito doméstico, dos EUA e do Iraque, quanto no âmbito internacional, com a resolução da ONU que confere o aval para a ocupação do país desde que fosse realizada a reconstrução (AMARAL, 2017).

No escopo interno do Iraque se teve a criação de leis internas, por um corpo consultivo composto por iraquianos, que conferiram legalidade para ações norte-americanas no país. Já dentro dos EUA todos os trâmites legais necessários para autorização da invasão foram cumpridos (AMARAL, 2017).

À respeito dos resultados da invasão existem diversas críticas ao projeto que a Autoridade Provisória da Coalizão (CAP) implementou, a constatação de que o processo de ocupação fracassou se baseia no fato, comprovado através de documentos oficiais, de que os objetivos de estabelecer segurança local e eliminação de grupos insurgentes e terroristas não se concretizaram (AMARAL, 2017). Para discutir os pontos falhos da ocupação Amaral (2017) se utiliza de quatro frentes de análise, sendo estas a de recursos financeiros e humanos e economia; segurança; governança; e serviços básicos.

Primeiramente quanto aos recursos financeiros e também humanos é perceptível que o investimento dos EUA e os outros países que compuseram a coalizão foi muito alto, os fundos para a reconstrução foram substanciais. No entanto, a aplicação não foi eficiente na reconstrução da infraestrutura iraquiana nem para a continuidade do fornecimento dos serviços essenciais, os resultados não foram eficientes (AMARAL, 2017).

Outra crítica pertinente aos recursos humanos é a de que os agentes que organizaram a agenda de reconstrução eram estrangeiros, isso gera uma baixa aceitação da população local. A reconstrução da economia iraquiana também é um ponto de crítica, no que diz respeito ao envolvimento que se deu por parte de mãos estrangeiras, mais uma vez fomentando a desconfiança e descrença da população (AMARAL, 2017).

Quanto à questão da segurança, um tópico de extrema importância nas intervenções para estabilização, apesar de ter sido realizada uma reforma no setor de segurança e criado novas organizações, muitos problemas referentes à criminalidade e ordem pública apareceram. As novas instituições não foram suficientes para estabilização da ordem social, logo após a intervenção ocorreu surtos de violência civil e criminal, que tiveram de ser contidas pelas forças de coalizão, a qual não estava preparada para atuar como força de polícia (AMARAL, 2017).

Outro grave problema de segurança que se viu aparecer depois da invasão foi relativo à questão das fronteiras, com a desarticulação da estrutura que se tinha para gerir essa questão — dada a desestruturação do regime de Saddam — a incidência de crimes de contrabando e saqueamento aumentaram (AMARAL, 2017).

A reestruturação do sistema político iraquiano se deu primeiramente com a derrubada do regime de Saddam Hussein, e posteriormente a tentativa de estabelecer novas estruturas e instituições para criar um sistema democrático, inclusive com a redação de uma nova constituição. Houve empecilhos para estabelecer um sistema judicial autônomo, sobretudo no que diz respeito à formação e garantia da segurança dos juízes — muitos foram assassinados — e sobre a aceitação da população. O plano para a instituição de um governo iraquiano, foi dividido em algumas fases e sofreu diversas reformulações por conta de alguns entraves que foram encontrados ao longo do caminho (AMARAL, 2017).

O Plano do embaixador Bremer designava autoridades das províncias e governos municipais, no entanto, por ter sido feito às pressas para cumprir com os prazos, as nomeações não foram aceitos pela população como uma seleção justa, dessa forma muitos conselheiros foram vistos como ilegítimos (AMARAL, 2017).

A fonte utilizada levanta dois pontos de falha na atuação dos EUA dentro desse tópico, primeiro porque as estruturas burocráticas e administrativas prévias à guerra ruíram, e o planejamento visava reaproveitar essas estruturas, sem contarem com um plano secundário caso isso não fosse possível. Amaral (2017) defende que a argumentação de que os EUA não teriam informações sobre a sociedade e infraestrutura iraquiana não se faz real, o que dificultou o estabelecimento da governança foram os movimentos de insurgência local.

Por fim, os serviços básicos, sobretudo a reconstrução do setor de eletricidade, era tido como algo basilar para o sucesso da estabilização, portanto o investimento destinado a essa atividade foi alto, e de fato houve uma melhora na questão da capacidade de geração e fornecimento da eletricidade. Mas os problemas apontados são o não cumprimento das metas estipuladas e a piora dos níveis de energia em algumas regiões, além de alguns empecilhos relativos ao cenário hostil de um país em guerra (AMARAL, 2017).

Quanto à questão da saúde têm-se que apesar das melhorias visadas neste sistema pela CAP, o problema da escassez de suprimentos médicos e farmacêuticos ainda persistia. Já sobre a educação a CAP logrou um progresso na qualidade das escolas iraquianas, obtendo menos sucesso nas estruturas de educação e material didático e falta de pagamento dos funcionários públicos (AMARAL, 2017).

Em conclusão é possível afirmar que a invasão e ocupação do Iraque, justificada com os objetivos de estabilização do país, corroboraram para um quadro de aumento da instabilidade política, econômica e de segurança. O panorama do país após 20 anos da invasão será abordado em textos posteriores, que buscarão analisar como ficou a situação do país depois desse advento.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Rodrigo Augusto Duarte. Ocupação e reconstrução do Iraque: a atuação da coalizão de Autoridade Provisória (2003–2004). 2017. 213 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais: Programa San Tiago Dantas) — Programa de Estudos Pós-Graduados em Relações Internacionais: Programa San Tiago Dantas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017 .

BBC. Violência e intransigência marcaram trajetória de Saddam. 30 dez. 2006. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2006/12/061227_saddamperfilcg. Acesso em: 10 mai. 2023.

BONFIM, Marcelo Garcia. A Guerra do Iraque: história oficial e oficiosa. Centro de Letras e Ciências Humanas e Departamento de História. Universidade Estadual de Londrina. Londrina, abril de 2014.

KENNEDY, H.; CHAMBERS, R.; BLAKE, G. Iraq. Britannica. 5 mai 2023. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Iraq. Acesso em: 10 mai. 2023.

--

--

GEOM UFU
GEOM UFU

Written by GEOM UFU

Somos um Grupo de Estudos em Oriente Médio, idealizado por alunas do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

No responses yet