Raio X: Estado da Palestina

GEOM UFU
10 min readSep 13, 2021

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Autor: Josué Lima

A Leste do Mar Mediterrâneo, e no passado delimitada pelo mesmo em sua porção ocidental, e pelo Rio Jordão, o lago da Galiléia, o mar morto e as colinas de Golã na fronteira oriental, fazendo divisa com a península do Sinai ao Sul e tendo seu limite ao norte na fronteira com o Líbano, há uma região que é palco de vários eventos históricos importantes, a Palestina. Uma terra repleta de cultura, belezas naturais e historicidade, considerada sagrada para islâmicos, judeus e cristãos, um lugar de estimada valia para inúmeros povos e culturas ao redor do mundo.

No entanto, é válido ressalvar que a configuração do território palestino foi drasticamente modificada ao longo do tempo, principalmente na história recente. Seu formato atual conta com 6.020 quilômetros quadrados de extensão, uma área bem inferior ao que a região possuía antes do plano de partilha do território entre árabes e judeus proposta pela Organização Mundial das Nações Unidas (ONU). Após o processo de partilha, a Palestina ficou com duas faixas de terra, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza que abriga uma população estimada de 4.685 milhões de habitantes, com uma densidade demográfica de 857 habitantes por quilômetro quadrado. Oficialmente a Palestina não é considerada de fato um Estado, apesar de ser reconhecida por inúmeros países, tem como capital Ramallah e Jerusalém Oriental, tendo como presidente de sua república parlamentarista (governo provisório) Mahmoud Abbas. (ONU, 2020; GUITARRA, 2021).

Mapa que indica a alteração do território palestino de 1947 até os dias atuais da esquerda para a direita (https://brasilescola.uol.com.br/geografia/palestina.htm )

A região, quando conquistada pelos árabes em 1561 d.c, passou por um processo de “islamização”, e a língua áarabe foi estabelecida como o vernáculo predominante. A partir de então a tradição islâmica sunita se desenvolveu amplamente na Palestina, que passou a ser conhecida pela cultura e pelas tradições árabes. Ao longo de quase dois milênios a Palestina consolidou o lar e a nação dos povos de descendência áarabe que ali se estabeleceram e ali construíram uma identidade nacional e cultural. (GUITARRA, 2021).

Os conflitos entre palestinos e judeus se estenderam até o século XX, muito em decorrêencia do projeto sionista e das tentativas da implementação de uma verdadeira colonização judaica na região. A população palestina iniciou uma série de atos, a fim de demonstrar seu descontentamento com os assentamentos em suas terras, além de tentar repelir o avanço dos judeus pela região da Transjordânia e da Cisjordânia. A situação de fato se complicou com a política externa da Grã-Bretanha, que tinha claros interesses em ter controle sob o território palestino, a fim de assegurar os seus interesses no Oriente-Médio, uma vez que a região era uma das portas de entrada para as jazidas de petroleo da península Arabica.(GOMES,2001).

A Inglaterra tomou uma série de medidas que ajudaram a manter a chama do conflito entre árabes e palestinos acessa. Ao todo, pode-se definir três medidas desastrosas e contraditórias tomadas por parte dos ingleses, sendo a primeira delas o acordo firmado com a população palestina para angariar o apoio militar dos árabes a Tríplice Entente contra os turcos, uma vez que a população da região já ansiava por se ver independente do Império Otomano. Nesse acordo, a Inglaterra prometeu que em troca do apoio militar dos palestinos, asseguraria a independência dos povos árabes da Palestina, na forma de um Estado arabe independente ou na forma de uma Confederação de Estados árabes independentes, esse acordo ficou conhecido como correspondência de Husayn-McMahon. (GOMES,2001).

A segunda medida adotada pela Grã-Bretanha foi o acordo Sykes-Picot, realizado entre Inglaterra, Rússia, Itália e França, firmado em maio de 1916. Já com o prenúncio da ruína do Império Turco-Otomano, as potências europeias decidiram se organizar, a fim de assegurar áreas de exploração para cada uma delas no Oriente Médio. A intenção era estabelecer a Palestina como uma região internacional, por se tratar de um solo sagrado para três religiões, mas o resultado foi bem diferente, culminando com a Palestina se tornando um protetorado da Inglaterra. A terceira medida tomada pelos ingleses, foi um acordo firmado com a Organização Sionista Mundial (OSM), em que se comprometia em assegurar um estado judeu na região da Plestina, o que conflitava diretamente com o tratado feito com os árabes. Esse acordo entre a Grã-Bretanha e a comunidade judaica recebeu o nome de Declaração de Balfour.(GOMES, 2001).

A análise discursiva da Declaração de Balfour é algo muito interessante, pois ela reforça a visão colonialista que os britânicos tinham em relação a região da Palestina, referindo-se a população e a comunidade local apenas como “população não judaica”, além de reforçar inúmeros preceitos racistas e de cunho discriminatório para com a população árabe colocando-a como inferior, primitiva e bárbara, que necessitava da intervenção da evoluída nação europeia Grã-Bretanha para enfim vislumbrar a civilização e a modernidade como bem aponta Rejane Gomes em sua dissertação “ A questão da Palestina e a fundação de Israel”, uma tática muito parecida com a utilizada também pelos europeus no período das cruzadas. É importante também estabelecer que a Declaração de Balfour, não foi um ato benevolente dos ingleses para com a comunidade judaica, mas sim uma troca de favores, haja vista que Lorde Lionel Walter Rothschild, membro da comunidade judaica, banqueiro e um dos homens mais ricos do mundo no período, era financiador de vários projetos na Inglaterra e também do governo britânico. Esse é um dos motivos que faz a declaração soar como um cumprimento de uma reivindicação do Lorde inglês. (GOMES,2001).

A Declaração, durante o mandato britânico na Palestina, é incorporado à constituição, que possui uma característica completamente sionista. O descumprimento do acordo de Husayn-McMahon, juntamente com a Declaração de Beaufour são fatores essenciais para agravar ainda mais o estado de tensão entre palestinos e judeus. Rejane Gomes em sua análise ainda aponta outras características que depreendem o caráter sionista e colonizatório de Beaufour, que é a elaboração de uma declaração repleta de ambiguidades, em que ela cita o uso proposital na escolha do termo dual “lugar nacional para o povo judeu” ao invés de “ Estado nacional”, usado no processo de redação a fim de não gerar atritos imediatos como a comunidade árabe. Essa mesma ambiguidade também será usada no findar do mandato britânico para negar a comunidade judaica a criação de um Estado judeu na Palestina. (GOMES, 2001).

Com o fim da Primeira Guerra e o esfacelamento do Império Turco-Otomano, as regiões antes pertencentes a ele foram divididas entre as nações europeias vencedoras, no qual foi aplicado o sistema de Mandatos, como ficou estabelecido Pacto da Sociedade das Nações. Esse sistema tinha como objetivo o desenvolvimento dos territórios pertencentes aos derrotados agora sob tutela das “nações mais desenvolvidas”, como bem aponta Gomes, era uma missão de caráter “sagrado” que levaria a civilização a terras “inóspitas” e “selvagens”.

Os soldados das forças aliadas da Legião Árabe atiram contra os combatentes judeus da Haganah, a força de autodefesa da Agência Judaica em março de 1948 (https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57149552)

A Palestina era um desses mandatos, sendo administrada pelos ingleses até 1948. O conceito de mandatos, como apontado por Rejane, foi inovador no sistema internacional, uma vez que ao mesmo tempo em que reafirmava as pretensões coloniais das potências europeias, reconhecia, mesmo que enviezadamente, os direitos dos colonizados, já que não era de bom tom ignorar totalmente as populações árabes. (GOMES, 2001).

Com as inúmeras revoltas e o agravamento dos conflitos da comunidade árabe-palestina, que não aceitava mais as políticas e o domínio inglês e sionista, fez a Inglaterra tomar medidas que contrariassem os sionistas, uma vez que, não podiam desprezar de todo o apoio da comunidade árabe. Como uma tentativa de amenizar o clima de tensão na região e como uma “resposta” aos anseios da população palestina, os ingleses retiraram o seu apoio das políticas sionistas implantadas pela comunidade judaica, além de revogar autorizações para a chegada de novos colonos ao território. (GOMES, 2001).

Apesar das tentativas de amenizar a tensão, os conflitos entre ambos os povos se estenderam, e, com o final da Segunda Guerra Mundial em 1945, a Inglaterra se viu incapacitada de administrar a Palestina e conciliar os atritos entre judeus e árabes. Sendo assim, declarou que não iria apoiar a criação de um Estado judeu, e determinou o fim do mandato sob a Palestina para o ano de 1948, decretando a região como independente e que deveria ser conciliada entre os povos que ali habitavam. Mediante as dificuldades de lidar com os problemas da Palestina, e questões mais urgentes concernentes à recuperação da Inglaterra no pós guerra, a Grã-Bretanha entregou o destino da região para a recém formada Organização Mundial das Nações Unidas (ONU). (GOMES, 2001).

Com o estabelecimento da ONU logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, foi criado o Comitê Especial para a Palestina (UNSCOP) , que ficou encarregado de avaliar e acompanhar todas as questões referentes ao território palestino, assim como ajudar na elaboração de soluções para os problemas da região. Então, foi proposta a divisão de terras entre árabes e judeus. No entanto, essa proposta não foi bem recebida pela comunidade árabe, tendo todos os países árabes votado contra a proposta de dividir o território. No entanto a grande maioria das nações integrantes da ONU votaram favoravelmente a criação do Estado judeu na Palestina. Assim, a partir da Resolução 181 da ONU de 1947, foram estabelecidas as condições para a posterior formação do Estado de Israel, em 1948, tendo Ben-Gurion como o primeiro primeiro-ministro eleito da república parlamentarista de Israel, fato que desencadeou a Primeira Guerra Árabe-Israelense. (GOMES, 2001).

O conflito entre Palestina e Israel se estende até os dias de hoje, e segundo alguns analistas, não se vislumbra próximo para a contenda. No ano de 2021, o atrito entre árabes e judeus ganhou novos capítulos muito importantes, com a invasão do bairro árabe Sheikh Jarrah, um bairro fora dos muros da Cidade Velha de Jerusalém localizado na parte palestina da cidade. Além desses, inúmeros conflitos aconteceram ao longo dos últimos anos, demonstrando que a nakba (exílio palestino) não acabou.

A cultura Palestina é uma mescla de várias culturas milenares dos povos árabes, a começar pelo idioma, o Árabe, que, além de representar um meio de comunicação, representa resistência e também a identidade cultural do povo palestino, como muito bem explecita Adel Yussef em seu discurso no âmbito das Jornadas de Solidariedade com a Palestina no ano de 2012.

Durante muito tempo, as três religiões abraâmicas conviveram em harmonia na região da Palestina, o que ajudou na construção de signos culturais singulares, sobretudo nos campos da filosofia, da literatura, e até mesmo da ciência, com o desenvolvimento de escritos preliminares relevantes sobre medicina e na área de engenharia e matemática. (SIDARUS ,2012).

A cultura árabe é bastante plural e diversa, além da culinária, que é extremamente rica. O uso de condimentos únicos, por exemplo, cria sabores singulares por meio da utilização de vegetais e hortaliças nativas da região mediterrânea e de plantas características das regiões mais áridas em que boa parte das nações árabes estão localizadas. No preparo de sobremesas e doces usa-se muitas frutas típicas da região, como: damascos, ameixas, tâmaras, uvas, lichia, e figos. Uma característica muito marcante na culinária é que a grande maioria de seus doces não levam adição de açúcares, e são considerados saudáveis, assim como a culinária árabe como um todo, que possui muitos pratos veganos, que não levam ingredientes derivados de animais em sua composição.

Apesar de ser um fato pouco divulgado, a Palestina também possui produções acadêmicas científicas que são feitas dentro de universidades como a Palestine Polytechnic University localizada na Cisjordânia e a Al Aqsa University na Faixa de Gaza. Essas universidades são responsáveis pelo levantamento de inúmeros dados referentes à população palestina, além de contribuírem para o desenvolvimento da região e dos povos árabes que ali habitam, tendo sido de extrema importância no combate à pandemia de Covid-19 na nação árabe. (AL AQSA UNIVERSITY, 2021).

O cinema palestino é relativamente jovem, mas, nos últimos anos, vem recebendo olhares atenciosos da comunidade cinéfila dada a qualidade das produções, que desmistificam inúmeros estereótipos impostos sob a comunidade palestina ao longo dos anos pelas perspectivas imperialistas e racistas difundidas sobretudo no ocidente. Uma ótima produção, que ajuda a entender o conflito árabe Isarelense, é o aclamado “Lemon Tree” de 2008, feito em parceria com Israel, tendo vencido inúmeros prêmios em festivais ao redor do mundo. (SOCHACZEWSK, 2014)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GORNIAK, Paulo. Israel e Palestina: entenda o conflito do início. In: Politize. [S. l.]: Politize, 2014. Disponível em: https://www.politize.com.br/israel-palestina/. Acesso em: 25 ago. 2021.

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Somos um Grupo de Estudos em Oriente Médio, idealizado por alunas do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

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