Autora: Cristiane Carvalho
O Estado do Kuwait, conhecido na língua local por Dawlat al-Kuwayt, é um emirado árabe localizado no Oriente Médio, banhado pelo Golfo Pérsico, ao noroeste da península arábica. O país é vizinho do Iraque e da Arábia Saudita, e seu território de clima desértico é conhecido por suas grandes reservas de petróleo e gás natural, além de ter uma pesca bem desenvolvida, principalmente no mercado de peixes e camarões. Durante as curtas épocas de chuvas, uma grande quantidade de depressões no território do país se alaga, sendo essa a principal presença de água no Estado, já que a existência de rios e lagos é pouco relevante. Se trata de um país extremamente urbanizado, e seu desenvolvimento, bem como padrões de consumo, tendem a ser associados ao ocidente, sendo um dos países mais “ocidentalizados” da região. (FACTBOOK; 2022)
Na prática, os 4,271 milhões de habitantes do país estão distribuídos principalmente na região litorânea, além de concentrados na capital do Estado, a Cidade do Kuwait, e na Ilha Bubiyan. (BANCO MUNDIAL; 2021) Essa população, espalhada em um território de 17,818km², conta com maioria não kuwaitiana natural, sendo majoritariamente composta por outras etnias árabes e asiáticas. O país apresenta a característica de uma população bastante diversa por ser um foco de imigração na busca dos povos por empregos e, além disso, apenas são considerados cidadãos kuwaitianos aqueles que descendem de famílias que já habitavam o território antes de 1920, não sendo essa uma qualidade concedida por nascimento. Por isso, quando avaliados os números de imigrantes, a proporção é surpreendente, sendo apenas 30% dos habitantes considerados realmente kuwaitianos. (FACTBOOK; 2022)
A população kuwaitiana é, em sua maioria, mulçumana sunita, sendo o islã a religião principal do país. Estima-se que cerca de 75% da população seja adepta dessa fé, existindo ainda pequenos grupos de católicos e de outras crenças diversas. Apesar da miscigenação étnica e religiosa, o idioma oficial ainda é a língua árabe, que divide espaço com um inglês amplamente difundido. (ANBA; 2018)
Para conhecer um pouco mais a monarquia constitucional que rege o Kuwait e seu funcionamento, é importante remeter à rica história do país. Em sua origem, o país era parte de uma província de domínio do Império Otomano. Uma parte dessas terras foi reclamada como território iraquiano, ao que se deram algumas disputas, mas a família real do Kuwait à época, conhecida como família Sabah, manteve seu governo até 1899, quando estabeleceu um acordo de protetorado com o Reino Unido. Nesse acordo, o governo ainda pertencia à mesma descendência, mas cabia à potência europeia o cuidado da política externa da região. A própria fronteira entre Kuwait e Iraque foi desenhada pelos britânicos em 1922.
Em 1961 o Kuwait conquista sua independência completa, sendo uma nação jovem quando comparada às grandes potências europeias e orientais. Após a independência, o país participou das atividades internacionais do Oriente Médio, inclusive apoiando o vizinho Iraque na guerra contra o Irã. Todavia, para grande descontentamento do próprio governo e de seu povo, em 1990, à época governado por Saddam Hussein, o Iraque se volta contra o Kuwait, invadindo seu território e dando início à Guerra do Golfo.
Pode-se dizer que essa guerra foi motivada, em partes, pelo antigo ressentimento acerca das questões territoriais, haja vista que na época da delimitação de fronteira, o Kuwait englobou boa parte da saída para o mar que o Iraque tanto almejava. Além desse, outro motivo mais recente que desencadeou o conflito foi a dívida que o Iraque contraiu com o Kuwait e com a Arábia Saudita durante seu próprio embate com o Irã. O vizinho tentou por diversas vezes negociar o perdão dessa dívida, algo que não foi bem sucedido, e entende-se que esse somatório de fatores mudou o posicionamento do Iraque para com seus adjacentes.
O tamanho territorial do Kuwait e sua posição o teriam deixado mais vulnerável ao ataque do que a Arábia Saudita, tendo assim sido escolhido como alvo da invasão. Esse conflito foi brutal e marcou a história kuwaitiana como um episódio sangrento, no qual muitos de seus habitantes foram mortos tentando resistir à ocupação e, ainda, a população foi dividida, entre aqueles que ficaram no país pelo período do conflito e os milhares que optaram por refúgio no exterior.
O país esteve sob ataque e dominação iraquiana por sete meses, tendo sido necessária a participação da ONU, diversas tentativas diplomáticas, a formulação de resoluções no Conselho de Segurança e a participação dos EUA, Reino Unido e Arábia Saudita em missões militares para, por fim, alcançar a expulsão das tropas iraquianas e a devolução da soberania do Kuwait. Após a libertação do pequeno país, porém, esse ainda se encontrava em um estado de calamidade interna, e recebeu mais de 270 milhões de dólares da Comissão de Compensação das Nações Unidas, na tentativa de recompensar o país pela situação enfrentada e de auxiliar em seu processo de recuperação. Esse valor foi repassado ao governo do Kuwait em 2019, quando a invasão estava prestes a completar 30 anos. (UNCC; 2019)
A Guerra do Golfo Pérsico contou com uma mobilização muito grande de recursos humanos e materiais, apesar de ser considerada relativamente rápida. Muitas novas tecnologias foram utilizadas nos combates e na invasão. As consequências do processo não foram rapidamente superadas pelo país, de forma que, ainda hoje, o Kuwait conta com uma intensa presença militar estadunidense, visando diminuir a vulnerabilidade na qual acredita se encontrar. Algumas bases das forças armadas americanas presentes no Kuwait foram inclusive utilizadas para atacar o Iraque durante a guerra desse com os EUA, em 2003. Existe também um ressentimento popular acerca daqueles que deixaram o país na época da ocupação, muitas vezes com o auxílio do próprio governo local, rumo a destinos como a Arábia Saudita, Reino Unido, França e EUA, gerando um sentimento de repartição entre seu próprio povo, mesmo após o retorno de boa parte desses refugiados. (BBC; 2022)
Além desses fatores, o país parece ter adquirido uma postura mais conservadora após a invasão. O Kuwait é um dos mais influentes dentre os seis Estados que compõem o Conselho de Cooperação do Golfo, (CCG) a saber: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Bahrein, Omã e ele próprio. (OLIVEIRA, 2013) Todavia, a nação ainda apresenta uma alteração em seu comportamento internacional, tendo deixado de lado algumas antigas parcerias e não se mostrando muito confiante perante o oferecimento de ajuda aos vizinhos, possivelmente por um trauma gerado ao perceber neutralidade ou apoio à Saddam Hussein por parte desses países em seu momento crítico. (BBC; 2022)
Em se tratando do Kuwait, não é possível conceber o país sem mencionar seu importante vínculo com o petróleo. Juntamente com o gás natural, esse setor amplamente desenvolvido de extração e refinaria do petróleo movimenta cerca de 40% de sua economia doméstica, além de representar 92% de sua exportação. (OPEC, 2020) O país é membro criador da OPEP (em inglês, OPEC), da qual se mantém membro desde a criação em 1960, participando dos objetivos da organização em coordenar e regulamentar as políticas de exploração do petróleo entre seus países membros. O Kuwait também faz parte da Liga dos Estados Árabes desde 1961, sendo essa uma organização internacional regional. (FACTBOOK; 2022)
A respeito das dificuldades que o país enfrenta, podem-se numerar os recursos hídricos escassos, sendo que o país é referência no processo de dessalinização das águas do mar, alternativa encontrada para satisfazer a demanda da população pelo recurso. Problemas climáticos que afetam o globo também estão presentes no Kuwait, de forma que a poluição é um fator negativo ao desenvolvimento “verde” do país e que a desertificação ameaça ainda mais a biodiversidade desse território já de clima árido.
Sobre o clima do Kuwait e suas questões ambientais, uma curiosidade é que esse é o país mais quente do Oriente Médio. Ao longo das últimas décadas, a temperatura média no país tem crescido de forma alarmante, atraindo as atenções de especialistas que trabalham em tentativas de reflorestamento das áreas pouco férteis do território. Com a totalidade de sua matriz energética dependente de combustíveis fósseis, as mudanças climáticas no Kuwait possibilitaram que o país alcançasse a marca de “lugar mais quente da Terra” em julho de 2021, chegando a atingir temperaturas acima de 53°C. Essas alterações demonstram que, além de sofrer consequências econômicas com a possível queda futura do petróleo, o país já enfrenta os reflexos de tamanha dependência atualmente. (BBC; 2021)
Outra crise que o Kuwait enfrenta é no meio social, com um número absurdo de não cidadãos em seu território. Por causa das leis nacionais, que não conferem cidadania por nascimento e não reconhecem duplas cidadanias, o país apresenta atualmente cerca de um terço de sua população vivendo sob a classificação de “bidun” (que designam aqueles sem registro oficial). A mudança política na década de 1960, com a independência do país, alterou o registro da população, e muitas pessoas perderam suas chances de se registrarem. A complicação prática desse contexto é que, desde a década de 1980, esses “sem registro” perdem progressivamente seus direitos, acesso à empregos e à educação. Após esse período, o processo de aquisição de cidadania se tornou mais complexo e os grupos “biduns” passaram a ser considerados como imigrantes ilegais. (FACTBOOK; 2022)
Por fim, a título de curiosidade, é válido mencionar a arquitetura do Kuwait. O país, que a princípio dependia da pesca, é muito rico em construções navais, ainda protegidas, que são no geral construídas a partir de materiais brutos, como pedras e gesso de barro. Muitos dos traços da arquitetura antiga do país são ainda mantidos e restaurados, como um vínculo histórico, apesar de não ser o caso das muralhas que uma vez cercaram a capital e dos fortes, usados para a defesa do país ainda no séc. XVIII. (HISSOUR; 2022)
A presença de muitas mesquitas nas cidades mais populosas é característica dos países mulçumanos, assim como, em grande parte, a preservação do estilo histórico. São mantidos também alguns traços da arquitetura otomana que já foi presente no país, ao passo que atualmente essas construções se mesclam às famosas e modernas construções, principalmente na Cidade do Kuwait. Um exemplo bastante conhecido de mesclagem entre a arquitetura moderna e desenvolvida do país com aquela tradicional está presente nas torres d’água da capital. Sendo reconhecidas como ponto turístico, as três torres representam a modernidade do país, ao mesmo tempo em que seu mosaico azulado e formato abobadado enfatizam a tradicional arquitetura local.
Toda a extensão da capital, principalmente o centro, apresenta uma configuração moderna, com construções luxuosas e bastante proeminentes, que chamam atenção por sua beleza e complexidade. A modernidade encontrada nessas áreas entra em forte contraste com as partes antigas preservadas e são um grande atrativo a turistas de todo o mundo, principalmente durante as noites, nas quais muitos edifícios, inclusive as famosas torres, projetam luzes e proporcionam uma vista bastante atraente. Nesses momentos de fascínio aos estrangeiros, as Torres d’água do Kuwait são iluminadas com as cores da bandeira do país. (HISOUR; 2022)
Referências:
ANBA — AGÊNCIA DE NOTÍCIAS BRASIL — ÁRABE. Kuwait é país moderno e globalizado no Golfo. Disponível em: https://anba.com.br/kuwait-e-pais-moderno-e-globalizado-no-golfo/. Acesso em: 9 fev. 2022.
BBC NEWS. Kuwait, o país que o calor pode tornar inabitável. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-59227649. Acesso em: 7 fev. 2022.
BBC NEWS. O que mudou no Kuwait após 30 anos da invasão do Iraque de Saddam Hussein. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53628606. Acesso em: 9 fev. 2022.
BRITANNICA ESCOLA. Kuwait. Disponível em: https://escola.britannica.com.br/artigo/Kuwait/481684. Acesso em: 5 fev. 2022.
GOV.BR. Liga dos Estados Árabes. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/mecanismos-internacionais/mecanismos-inter-regionais/liga-dos-estados-arabes. Acesso em: 10 fev. 2022.
HISOUR ARTE CULTURA EXPOSIÇÃO. Arquitetura do Kuwait. Disponível em: https://www.hisour.com/pt/architecture-of-kuwait-31466. Acesso em: 9 fev. 2022.
OLIVEIRA, João Paulo Ferraz. O Conselho de Cooperação do Golfo e sua atuação na manutenção do status quo na Primavera Árabe. Dissertação apresentada para titulação de mestrado; Ciência Política; UFMG; Belo Horizonte; 2013. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUBD-9FYF6M/disserta__o_jo_o_paulo_ferraz_oliveira.pdf?sequence=1 Acesso em: 8 fev. 2022
ONU NEWS. Comissão da ONU paga US $270 milhões ao Kuwait devido à invasão em 1990 pelo Iraque. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/07/1680921. Acesso em: 7 fev. 2022.
OPEC — KUWAIT. Kuwait facts and figures. Disponível em: https://www.opec.org/opec_web/en/about_us/165.htm. Acesso em: 6 fev. 2022.
OPEC. OPEC: Brief history. Disponível em: https://www.opec.org/opec_web/en/about_us/24.htm. Acesso em: 6 fev. 2022.
THE WORLD FACTBOOK. Kuwait. Disponível em: https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/kuwait/#transnational-issues. Acesso em: 9 fev. 2022.