Raio X: Reino da Arábia Saudita

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11 min readDec 20, 2021

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Autor: Jéssica Felix Nascimento de Souza

O Reino da Arábia Saudita é um país muçulmano sunita, localizado na península arábica, sendo o maior país da península e um dos maiores países que compõe o Oriente Médio, com um território de 2.150.000 km², ficando apenas atrás da Argélia, país que também compõe o MENA (middle east and north Africa) (SOWAYEL, 2019). Sua capital é Riad, o centro financeiro do país, com uma população de 7,677 milhões.

Mapa político da Arábia Saudita

O território é composto por um extenso deserto, que era povoado e disputado por sociedades tribais, antes da conquista e unificação promovida por Abdel Aziz Ibn Saud, em 1932. Atualmente suas fronteiras são com a Jordânia, Iraque e Kuwait ao norte, no Golfo Pérsico com o Qatar, Emirados Árabes Unidos e Omã ao leste, com o Iêmen ao sul e sudoeste, e com o Mar Vermelho e o Golfo de Aqaba a oeste (BRITANNICA, 2021). Os três principais desertos que compõem o território são o Deserto de Nefud ao norte, Deserto de Rub’ al-Khali ao sul, e o deserto de Dana que liga os dois primeiros desertos, além destes existem desertos menores por todo território. O deserto de Al-Ula, localizado na região noroeste, abriga vestígios arqueológicos de civilizações antigas, e é uma das apostas do Reino como atração turística na recente abertura de suas fronteiras para entrada de turistas.

Na imagem, a tumba de Qasr al-Farid encravada na areia em Madain Saleh, no Deserto de Al-Ula

A Arábia Saudita é uma das monarquias absolutistas que ainda existem no mundo, cujo idioma oficial é o Árabe, a dinastia que governa o país desde a unificação é a Al Sa’ud, tendo como rei atual Salman bin Abdul-Aziz, que está no trono desde 2015, mas efetivamente o poder de governo e de tomar decisões está nas mãos do príncipe, seu filho, Mohammed bin Salman. O país tem uma população de cerca de 34,81 milhões de pessoas, composta por uma diversidade étnica e cultural que vai desde árabes sauditas e árabes descendentes de outras localidades, à beduínos e afro-asiáticos. Cerca de um terço da população é composta por uma comunidade de migrantes, as ondas de migração se intensificaram desde os anos 80, sobretudo para compor a classe trabalhadora, embora muitos tenham a intenção de estabelecer residência permanente, o governo os encara apenas como “trabalhadores convidados” (SOWAYEL, 2019).

Quanto ao aspecto religioso dessa população, em sua maioria ela é composta por sunitas, no entanto as raízes da formação do primeiro Estado Saudita se encontram no movimento Islã chamado Wahabismo, a partir de uma aliança entre o fundador dessa corrente, Muhammad ibn ‘Abd al-Wahhab com o fundador da dinastia Saud, Muhammad ibn Sa‘ud, essa aliança é o que fornece a legitimidade ao Reino até hoje (SOWAYEL, 2019). O Wahabismo é conhecido por possuir uma interpretação mais rígida dos escritos corânicos e ser mais conservador perante outras tradições do Islã que passaram a incorporar à religião aspectos culturais da dança e música como forma de expressão da fé, seu fundador acreditava que tais práticas os distanciava da verdadeira palavra de Deus (DA SILVA, 2020)

Segundo a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos, o país abriga cerca de 15% das reservas mundiais de petróleo no mundo, de que se tem conhecimento, o ouro negro é uma variável importante para compreender o posicionamento do país no Cenário Internacional, isso o coloca como uma peça chave em questões energéticas e também dentro do próprio jogo político na região, o que acaba por deixar o país na mira de interesse dos Estados Unidos (SOWAYEL, 2019).

Outra importante variável para se compreender a formação do Estado Saudita é a religião, presente desde as primeiras tentativas de unificação do território o islamismo e a luta por uma prática mais ortodoxa da religião está intrinsecamente relacionado à monarquia. O país abriga duas das cidades mais importantes para os muçulmanos, porque ambas marcam momentos importantes para o nascimento do Islã, Meca e Medina (SOWAYEL, 2019).

A primeira cidade é onde o profeta Maomé nasceu, é para onde os muçulmanos se voltam para fazer suas 5 orações diárias e também é para onde eles devem peregrinar ao menos uma vez na vida (caso tenham condições de fazê-la), a cidade abriga a Caaba, importante templo para a religião, e dessa forma o turismo religioso é responsável por grande parte do movimento econômico (IQARAISLAM, ). Já Medina é a cidade para onde o profeta fugiu depois de deixar Meca, e é onde recebeu diversas revelações de Deus que compõem o Alcorão, é nesse lugar que a religião passa a crescer e se consolidar, seu nome provém de Medinat un-Nabi, que significa cidade do Profeta (IQARAISLAM, ).

Foto da Caaba localizada no centro da mesquita de Masjid al-Haram em Meca

O Reino da Arábia Saudita foi estabelecido em 16 de setembro de 1932, pelo fundador Abdul-Aziz ibn Saud com o apoio do Emir do Kuwait, Mubarak Al Sabah, o jovem Saud conseguiu em 1902 reivindicar o poder ancestral de sua família sobre Diriya, que se localiza nos arredores de Riad (atual capital do país), conquistou também Najd, Hejaz e a costa leste, unificando todos estes territórios, antes povoado por diversas tribos, em uma Monarquia Saudita (SOWAYEL, 2019).

A unificação de 1932 não foi a primeira tentativa de construção do país, houveram mais dois Estados Sauditas anterior à última unificação, que acontece em um momento em que o Império Britânico passou a interferir diretamente nas relações no território árabe, considerando a Arábia, no começo do século XX como um baluarte da resistência nacionalista Árabe-islâmica contra a dominação europeia (SOWAYEL, 2019).

O primeiro Estado saudita foi fundado em 1744, e ficou conhecido como Emirado de Diriyah, unificando diversos estados da península e os libertando da expansão otomana. Em 1802 após mais uma série de expansões e incursões no norte, as cidades sagradas de Meca e Medina foram conquistadas, depois de cerca de três séculos das mesmas estarem sob domínio otomano (SOWAYEL, 2019).

O segundo Estado saudita, o Emirado de Nejd, que se estabelece entre o período de 1824 e 1891 (data da última batalha, chamada batalha de Mulayda), se desintegrou devido a uma guerra, entre o clã de Saud e os rivais Al Rashid, aliados do Império Otomano. Como resultado do conflito os Saud foram exilados em uma vida nômade até que eles conseguiram se estabelecer no Kuwait, isso até 1902, quando Abdel Aziz ibn Saud retorna a Riyadh e reconquista a cidade (SOWAYEL, 2019).

Abdel Aziz ibn Saud, o rei fundador

Ele governou até 1953, e quando morreu a coroa é passada a seu filho mais velho, Saud Ibn Saud, e desde então todos os reis que governaram a Arábia Saudita foram filhos do rei fundador, Salman o atual monarca, é o último dos 40 filhos a governar o Reino (SOWAYEL, 2019). Desde sua formação mais recente, que permanece até os dias atuais, a forma de governo é uma monarquia dinástica, cujo rei concentra em suas mãos funções legislativas, executivas e judiciais. O reino nunca teve uma constituição escrita, mas em 1992 o rei emitiu um documento conhecido como Lei Básica do Governo (Al-Niẓām al-Asāsī li al-Ḥukm), que fornece diretrizes sobre como o governo deve ser administrado e versa sobre os direitos e responsabilidades dos cidadãos (BRITANNICA, 2021).

Rei Salman bin Abdulaziz Al Saud à direita e Príncipe Mohammad bin Salman à esquerda

Além do governo central existem divisões administrativas em 13 regiões (manāṭiq) que são divididas em mais distritos, os governadores regionais assumem o cargo por indicação, e normalmente são membros da família real (que compreende os numerosos descendentes do fundador do reino, Ibn Saud), estes presidem conselhos municipais e em conjunto podem decidir sobre finanças, saúde, educação e agricultura (BRITANNICA, 2021).

As bases para o sistema judiciário estão na Sharia, a lei islâmica, as leis do país são conhecidas por aplicar punições severas como amputação e execução. Existem cerca de 300 tribunais Sharia pelo país, mas como certas questões que precisam de respaldo do judiciário pois não são abrangidas pela lei religiosa, por exemplo infrações de trânsito e acidentes industriais, decretos reais passaram a versar sobre tais questões (BRITANNICA, 2021).

O principal destaque do país se encontra em sua economia, a Arábia Saudita é o maior exportador de petróleo no mundo, e apesar de reformas estruturais levadas pelo príncipe Mohammad bin Salman e da participação do país em metas globais para diminuir a emissão de carbono, a economia do país ainda depende muito da receita gerada pelo petróleo, visto que possui a maior capacidade de produção de petróleo bruto do mundo, cerca de 12 milhões de barris por dia (CNN, 2021; ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2021). O petróleo compõe cerca de 70% do total de exportações do país em termos de valor, e cerca de 53% das receitas do governo saudita foram baseadas no petróleo, no ano de 2020 antes da queda provocada pela pandemia de covid-19 (ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2021).

Em 2016 foi anunciado o plano chamado “Visão 2030” que pretende diversificar a economia petroleira do país, frente às atuais mudanças no cenário internacional e busca de outras fontes de energia mais limpas e que sejam renováveis, esse plano faz parte de uma série de reformas sociais que o príncipe promove no país, incluindo a permissão às mulheres de dirigir, abertura de cinemas e a controversa repressão à corrupção, feita pela detenção e até exílio de outros príncipes do país e outras pessoas influentes, muito criticada por ser considerada como uma medida de prevenção à ameaça de seu poder e não tanto de combate à corrupção (SOWAYEL, 2019).

Outro assunto que é comumente discutido quando se fala desse país é a questão dos direitos das mulheres, o que associado a uma visão extremamente orientalista e repleta de estereótipos da religião muçulmana, tende retratar as mulheres que vivem no país como oprimidas. No entanto apesar de o país somente ter permitido que mulheres dirigissem em 2018, outros direitos já eram garantidos à elas, como acesso à educação, participação no mercado de trabalho e também o direito ao divórcio (garantido pela própria religião), além de que restrições como mostrar algumas partes do corpo, obrigação de se cobrir é válido tanto para mulheres quanto para homens (CARVALHO, 2021).

Contudo, tais fatos não anulam a necessidade de se discutir sobre o acesso a direitos e situação das mulheres no país, no entanto para que isso aconteça primeiramente é preciso abandonar os padrões ocidentais de liberdade e tentar aplicá-los a outras realidades, além de realizar uma análise mais crítica sobre a realidade das mulheres nos países ocidentais, para não cair na recorrente prática ocidental de classificar o que é do oriente como sendo atrasado.

Para finalizar é interessante trazer algumas curiosidades a respeito do país, a primeira é que acredita-se que a casa Saud, contando com todos os parentes do rei fundador, Abdul Aziz ibn Saud, seja de aproximadamente 15 mil pessoas, o que tem a ver com a quantidade de filhos do rei com suas 22 esposas ao longo da vida, ao todo 45 homens (e por volta de mais de 50 mulheres) e os filhos gerados por eles e assim por diante. Isso acontece porque no Islam a poligamia é permitida dentro de algumas condições, e desde que o homem tenha somente 4 esposas por vez, ou seja se divorciando ele pode casar novamente com outra mulher (TEIXEIRA, 2020).

Estima-se que a família real saudita seja aproximadamente dezesseis vezes mais rica que a família real da Inglaterra, que é avaliada em 77 mil milhões de euros, em contrapartida a riqueza dos Saud está na casa dos 1,4 biliões de dólares (1,2 biliões de euros). Embora a família real tenha 15 mil membros, a riqueza maior se concentra nas mãos de 2 mil descendentes do rei fundador (FERREIRA, 2018).

A King Saud University, fundada em 1957, foi a primeira Universidade do Golfo Pérsico, além disso o país conta com 43 Instituições de Ensino Superior, e dentre elas 29 são universidades públicas, além dos 106 centros de pesquisa que são fortemente incentivados pelo Reino, como fonte de estudos para melhorias na economia do país. Tanto homens quanto mulheres têm acesso à educação, com campus separados, no entanto existe uma universidade que é apenas para mulheres, onde o corpo docente e discente é composto por mulheres somente, fundada em 1970 como Riyadh University for Women, agora denominada Princess Nourah Bint Abdul Rahman University, esta é uma universidade gratuita porque é pública, e é a maior universidade feminina do mundo (STRING FIXER, s.d.).

Campus da Princess Nourah Bint Abdul Rahman University

O café é uma bebida que desempenha um papel importante na cultura do país, e o próprio preparo dele é composto de uma ritualística que vai desde a seleção dos grãos até a forma de ser servido na tradicional dallah (bule de café tradicional árabe), e é uma tradição que passou a incorporar a lista da Unesco como Patrimônio Inteligível da Humanidade (SAULA, 2016).

REFERÊNCIAS

AL SOWAYEL, Dina. Kingdom of Saudi Arabia. In: LUST, Ellen. The Middle East. 15. ed. [S. l.: s. n.], 2020. cap. 21, p. 1323–1358.

BRITANNICA, Encyclopædia. Saudi Arabia. 11 dez. 2021. Disponível em:

<https://www.britannica.com/place/Saudi-Arabia#ref45197>. Acesso em: 16 dez. 2021.

CARVALHO, Priscila. Arábia Saudita além dos véus: brasileira conta como é viver no país. 20 abr. 2021. Disponível em:

<https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2021/04/20/arabia-saudita-alem-dos-veus-brasileira-conta-como-e-viver-no-pais.htm>. Acesso em 18 dez. 2021.

DA SILVA, Pedro H. F. Arábia Saudita e a Propagação do Wahabismo Pelo Mundo: Uma Análise Do Financiamento Para Grupos Terroristas. 12 out. 2020. Disponível em:

<https://integri.com.br/trabalhos-apresentados/ferisp-2020/arabia-saudita-e-a-propagacao-do-wahabismo-pelo-mundo-uma-analise-do-financiamento-para-grupos-terroristas/>. Acesso em: 16 dez. 2021

ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION. Saudi Arabia. 2 dez. 2021. Disponível em: <https://www.eia.gov/international/overview/country/SAU>. Acesso em 18 dez. 2021.

FERREIRA, Abílio. Fortuna da família real saudita é 16 vezes superior à britânica. Será maior que o PIB português. 19 ago. 2018. Acesso em:

<https://expresso.pt/economia/2018-08-19-Fortuna-da-familia-real-saudita-e-16-vezes-superior-a-britanica.-Sera-maior-que-o-PIB-portugues->. Acesso em 18 dez. 2021

IQARA ISLAM. Meca: Uma Análise da Cidade Sagrada do Islam. [s.d]. Disponível em: <https://iqaraislam.com/meca>. Acesso em: 8 dez. 2021.

IQARA ISLAM. Medina: Análise da Cidade do Profeta Muhammad. [s.d]. Disponível em: <https://iqaraislam.com/medina>. Acesso em: 8 dez. 2021.

SAULA. El Ritual del Café Árabe ya es Patrimonio de la Humanidad. 29 mar. 2016. Disponível em:

<https://www.cafesaula.com/blog/el-ritual-del-cafe-arab-ja-es-patrimoni-de-la-humanitat/>. Acesso em: 18 dez. 2021

STRING FIXER. Ensino superior na Arábia Saudita. [s.d]. Disponível em:

<https://stringfixer.com/pt/Higher_education_in_Saudi_Arabia>. Acesso em: 18 dez. 2021.

TEIXEIRA, Duda. Por que a família real saudita é tão numerosa. 30 jul. 2020. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/blog/duvidas-universais/por-que-a-familia-real-saudita-e-tao-numerosa/>. Acesso em 18 dez. 2021.

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Somos um Grupo de Estudos em Oriente Médio, idealizado por alunas do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

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