Autor: Giovanni Setten Pedronetti
Localizado na região que compreende a antiga Mesopotâmia, o Iraque ocupa uma posição geográfica e cultural de grande importância no Oriente Médio. Com uma população de 40 milhões de pessoas, em um território de 438 mil km². o Iraque é dividido em quatro regiões geográficas: as planícies próximas aos rios Tigre e Eufrates, as terras elevadas de Al-Jazeerah, localizadas entre os dois rios, os desertos localizados no sudoeste do país e as regiões montanhosas do norte e noroeste, onde vivem a maioria dos curdos iraquianos. Sua localização territorial também coloca o Iraque no centro de muitos dos conflitos do Oriente Médio, fazendo fronteira com a Turquia, Síria, Irã, Arábia Saudita, Kuwait e Jordão (IRAQI EMBASSY US, 20 — ) (UNICEF, 2020).
A população iraquiana é de maioria muçulmana, com os muçulmanos compondo 95% da população do país, sendo divididos entre uma maioria xiita e uma minoria sunita, além de comunidades cristãs e judaicas, que compõem cerca de 5% da população. Em linhas étnicas, a população é majoritariamente árabe-mesopotâmica, com este grupo formando 71% da população. Outros grupos étnicos de grande importância incluem os Curdos, que compõem 17% da população iraquiana, e os Turcos, Assírios e Persas, representando cerca de 2% a 3% da população cada. O idioma oficial do país é o Árabe, com o Curdo também sendo utilizado em alguns documentos oficiais, sendo a primeira língua de aproximadamente 15% da população (WORLD POPULATION REVIEW, 2021).
Ao longo de sua história, o território do Iraque foi habitado por diversos povos, que deixaram suas marcas e legados culturais na região. Atualmente, o Iraque possui seis patrimônios nacionais inscritos na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, incluindo as capitais de antigos impérios da região, como Ashur, Samarra e Babilônia, assim como patrimônios culturais e ambientais, no caso da região Ahwar, considerada parte do patrimônio comum da humanidade por sua importância ecológica e histórica. Além dos patrimônios já presentes na Lista do Patrimônio Mundial, o Iraque possui uma série de outros patrimônios na tentative list da UNESCO, que incluem assentamentos humanos do período neolítico até o século XIX (UNESCO 20 — ).
Devido à seu extenso histórico de habitação humana, o Iraque também foi palco de muitos conflitos ao longo da história. Nesse sentido, a dominação imperial foi uma ameaça constante para as populações da região, sendo um dos fatores centrais da história recente da região.
No início do século XX, o Iraque era uma das províncias do Império Otomano e, nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, iraquianos foram recrutados para as academias militares otomanas, formando um dos grupos que passaria a lutar pela independência do país ao longo do século. Com a queda do Império Otomano e a divisão de seus territórios entre a Grã-Bretanha e França, sob o sistema de mandatos internacionais, o Iraque caiu sob a influência dos britânicos, que impuseram aos iraquianos um regime monárquico encabeçado pela dinastia Hachemita, que não possuía nenhuma conexão com o Iraque ou sua população (ALI, 2003).
Durante os anos em que estiveram sob o controle direto do Iraque, os britânicos buscaram cultivar um sistema político e uma estrutura militar que permitissem a perpetuação da influência britânica na região. A criação de uma classe política notoriamente corrupta e subserviente aos interesses de Londres, assim como as tentativas britânicas de armar grupos separatistas dentro do Iraque, levaram a crescentes tensões entre o Iraque e a Grã-Bretanha nos anos anteriores à independência formal do país, em 1932. Ao longo dos anos 1930 e 1940, os movimentos nacionalistas do Iraque, especialmente influentes entre as Forças Armadas, entraram em choque com as autoridades civis do país, majoritariamente pró-britânicas. Essas tensões resultaram em uma cooperação temporária entre as Forças Armadas e a monarquia, que desejava aprovar uma série de medidas políticas e econômicas que iam de encontro aos interesses ocidentais na região (ALI, 2003).
Essa cooperação entre militares nacionalistas e monarquia chegou ao fim na segunda metade dos anos 1950, com a crescente radicalização dos movimentos nacionalistas. Assim, em 1958, aquilo que deveria ser um Golpe Militar se transformou na revolução que culminou no fim da monarquia e criação de uma República. A derrubada dos hachemitas levou milhares de iraquianos às ruas, comemorando o fim do antigo regime e desejosos de mudanças políticas que melhorassem suas condições de vida e garantissem a independência real do país frente ao ocidente. Na década que se seguiu à Revolução de 1958, os principais grupos políticos do país, nacionalistas, comunistas e baathistas, se digladiaram em uma série de conflitos internos que culminaram na ascensão do Partido Baath em 1968 (ALI, 2003).
Ao tomar o poder, o Partido Baath deu início a uma série de reformas com o objetivo de firmar seu poder sob o país, ao mesmo tempo em que buscavam atender as demandas populares das últimas décadas. Assim, medidas como a perseguição aos oponentes políticos do regime, a politização das Forças Armadas e a criação de milícias políticas ligadas ao Partido andaram lado a lado com medidas populares, como a redistribuição de terras, a nacionalização do petróleo e a expansão da rede elétrica e dos sistemas de ensino e saneamento básico. Os projetos de expansão dos serviços essenciais (energia, saneamento e educação) foram financiados pelos rendimentos do petróleo, com o político que liderou a campanha de nacionalização deste recurso, Saddam Hussein, assumindo a presidência do país em 1978 (BLAYDES, 2018).
Saddam Hussein governou o Iraque de 1978 a 2003, seu governo foi marcado pelas contradições entre as tentativas de dar continuidade ao projeto nacional baathista e o desejo de Saddam de tornar seu país uma potência militar. Assim, em 1982, a Guerra Irã-Iraque foi iniciada quando tropas iraquianas invadiram o território do Irã, a guerra se estenderia até 1988, com milhões de mortos em ambos os lados e o restabelecimento das fronteiras existentes antes do início do conflito. Dois anos mais tarde, o Iraque lançaria sua mal-sucedida invasão do Kuwait, que culminou na campanha dos EUA contra o Iraque e uma onda de levantes populares, cujos membros foram massacrados pelo regime, com a anuência da comunidade internacional (BLAYDES, 2018) (RAY, 2002).
O regime de baathista chegou ao fim em 2003, com a invasão ilegal do Iraque pelos EUA, cujas tentativas de reconstrução do país se mostraram mal-sucedidas. Ao invadir o Iraque e comprometer-se com sua reconstrução, os EUA, não satisfeitos em depor o governo de Saddam Hussein, buscaram destruir toda instituição nacional que pudesse ser acusada de manter ligações com o Partido Baath. Entre estas instituições estavam as Forças Armadas, bem-vistas pela população, graças à sua participação na luta contra a influência ocidental no Iraque. As novas forças de segurança criadas pelos EUA, assim como o novo governo civil, foram vistas não como instituições nacionais, mas como forças de ocupação a serviço de um governo estrangeiro (AL-MARASHI, 2007).
Além de destruir uma das únicas instituições que ainda contavam com o apoio da população iraquiana, os EUA também permitiram a proliferação de grupos paramilitares e a formação de um sistema político corrupto e autoritário. Sem um plano para o desarmamento de grupos paramilitares no período pós-guerra, as forças de ocupação permitiram que as milícias mantivessem suas armas e, em muitos casos, que essas milícias dessem origem aos partidos políticos do Iraque atual. Ao mesmo tempo em que proliferavam as forças paramilitares, as forças de segurança oficiais passavam por um processo de cooptação política, liderado pelo primeiro-ministro Nouri Al-Maliki. Entre 2007 e 2011, Al-Maliki criou e expandiu uma estrutura que lhe permitiu deter controle completo sob as Forças Armadas, polícia e serviços de inteligência do país, essas forças foram, então, utilizadas contra oponentes do governo e membros de minorias étnicas e religioSAS (DODGE, 2013).
Em anos recentes, o Iraque foi tomado por uma onda de protestos contra a corrupção política e a negligência das autoridades frente à população. Iniciados em 2019, os protestos ganharam força durante a pandemia da COVID-19, quando a negligência governamental levou à uma série de desastres nos hospitais públicos do país, com 100 feridos após um incêndio hospitalar na cidade de Nasiriyah, 82 mortos em uma explosão em um hospital de emergência em Bagdad e mais 90 mortos em acidentes similares no sul do país (AL-JAZEERA, 2021).
Frente aos protestos populares no país, assim como a aproximação das eleições nacionais, marcadas para outubro de 2021, figuras políticas centrais do país buscaram se distanciar do atual governo. Entre essas figuras está Muqtada Al-Sadr, líder xiita que se opõe à atuação dos EUA e Irã na região. Apesar das declarações públicas de Al-Sadr, dizendo não apoiar “nem esse governo nem o próximo”, seus apoiadores e seguidores continuam a ocupar cargos centrais nos ministérios do Interior, da Defesa e das Comunicações. Assim, a atuação do líder xiita pode ser vista como emblemática do comportamento da elite política de seu país, com os responsáveis pela violência interna e pelas repetidas crises vividas pelo país buscando se distanciar do sistema político criado sob sua tutela, ao mesmo tempo em que se posicionam como possíveis líderes de uma reconstrução nacional (AL-JAZEERA, 2021).
REFERÊNCIAS:
AL-MARASHI, Ibrahim. Disbanding and Rebuilding the Iraqi Army: The Historical Perspective. Middle East Review of International Affairs, [S. l.], v. 11, n. 3, p. pp. 42–53, set. 2007.
RAI, MILAN. A Estabilização do Regime, 1991: Os E.U.A Ajudaram a Esmagar as Revoltas. In: RAI, Milan. Iraque: plano de guerra: dez razões contra a guerra ao Iraque. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. cap. VII, p. pp. 159–172
ALI, Tariq. Bush in Babylon: The Recolonisation of Iraq. 1. ed. [S. l.]: Verso, 2003. 232 p..
BLAYDES, Lisa. Theoretical and Empirical Foundations: State and Nation-Building in Iraq, 1973–1979. In: BLAYDES, Lisa. State of Repression: Iraq under Saddam Hussein. 1. ed. [S. l.]: Princeton University Press, 2018. cap. 3, p. 61–79.
DODGE, Toby. State and society in Iraq ten years after regime change: the rise of a new authoritarianism. International Affairs, [s. l.], v. 89, n. 2, p. 241–257, 2013
AL-JAZEERA. Iraqi Shia leader al-Sadr says will not take part in October vote. 2021. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2021/7/15/iraqi-shia-leader-sadr-says-he-wont-take-part-in-october-election>. Acesso em: 25 de agosto de 2021.
IRAQI EMBASSY US. Iraqi Embassy US: geography, c20 — . Disponível em: <http://www.iraqiembassy.us/page/geography> Acesso em: 25 de agosto de 2021.
UNESCO. World Heritage Convention: Iraq. 20 — . Disponível em: <https://whc.unesco.org/en/statesparties/iq> Acesso em: 25 de agosto de 2021.
WORLD POPULATION REVIEW. World Population Review: Iraq. 2021. Disponível em: <https://worldpopulationreview.com/countries/iraq-population>. Acesso em: 25 de agosto de 2021.
IMAGENS:
Parte dos monumentos da antiga Babilônia (whc.unesco.org/en/documents/166727)
Templo do sítio arqueológico de Hatra (whc.unesco.org/en/documents/109728)
Construção de junco típica da região de Anwhar (whc.unesco.org/en/documents/142111)
Membros dos protestos populares honram a memória de colegas assassinados pelas forças de segurança do governo, 2021 (https://www.aljazeera.com/news/2021/7/18/iraqis-protest-against-unpunished-killings-of-activists)